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Microgestão: uma reflexão sobre o excesso de controle

“Você não controla nada, a não ser suas próprias percepções.”

Harriet Rubin, Escritora


Uma das figuras históricas mais famosas conhecidas por ser um controlador excessivo é Steve Jobs, cofundador da Apple, famoso pelo produto e também pela sua obsessão pelo controle. Um outro nome de sucesso, bem polêmico pela sua forma tão detalhista de se envolver em todos os aspectos operacionais de seu negócio é Elon Musk.


Cases de sucesso financeiro indiscutível, mas quando se trata de sua visão como líderes de pessoas esse sucesso não é tão indiscutível assim. O estilo “microgestão”, onde o controle excessivo impera, os levaram a enfrentar desafios pessoais, como conflitos com colegas, críticas ferrenhas e uma vida pessoal tumultuada.


E, ainda assim, é preciso frisar que eles não conseguiriam criar os impérios que criaram se tivessem sido inflexíveis com essa necessidade de controlar. Ambos souberam se afastar, em maior ou menor grau, e delegar responsabilidades e confiar em suas equipes, mesmo que mantivessem um envolvimento profundo em decisões críticas.


Frase em inglês mostra a frase: seja um líder, não um microgestor.
Seja um líder, não um microgestor.

Se você é líder (ou quer se tornar um) fica desde já um convite de reflexão:


  • Qual minha natureza para liderar?

  • Como eu me relaciono com o controle?

  • Qual a minha necessidade de controle?


Nos exemplos do Steve Jobs e do Elon Musk pudemos ver que a natureza detalhista, de excesso de controle, pode agir positivamente e impulsionar para a construção de produtos inovadores e super qualificados.  


De outro lado, ser controlador a ponto de ter que acompanhar cada passo do que está sob sua gestão e exigir de seu time que a execução seja exatamente como você deseja, isso certamente vai trazer mais estragos do que benefícios.


E os primeiros estragos aparecerão na saúde mental do seu time, especialmente contribuindo para sentimentos de ansiedade e stress.


É importante trazer também que nem sempre o excesso de controle é reflexo de uma natureza mais detalhista do líder. Muitas vezes ela pode ser situacional, motivada por uma falta de confiança no seu time ou por um desejo de garantir que as coisas sejam reconhecidamente feitas do seu próprio jeito, pelo medo de errar ou pela necessidade de ser visto; pode também ser cultural, reflexo de uma empresa que tem menos aceitação a erros e que acaba desenvolvendo líderes mais controladores, já que o errar não é bem visto na organização.


O ponto aqui é reconhecer que muitas vezes não se trata apenas de sua natureza, você pode tornar-se controlador.

Aqui, escrevendo, confesso que não pude deixar de olhar para trás e refletir sobre as origens da minha própria necessidade de controle.


Lembro das reuniões semanais que fazia com meus reportes diretos: eu tinha um método que listava tudo que ia aparecendo durante a semana, independente da grandeza para essas reuniões e gerenciava essa lista de maneira bastante detalhista.


Lembro também de alguns feedbacks do time: “você não esquece de nada”; “com você não passa nada” ... à época, ouvia isso como um elogio: num ambiente com tantos temas para orquestrar e pouco afeito ao erro,  não deixar nenhum prato cair era um indicador de sucesso.


Hoje percebo que a microgestão e o controle excessivo podem desgastar os relacionamentos dentro da empresa, uma vez que os colaboradores podem ver nesse comportamento uma desvalorização de sua capacidade ou uma retaliação à sua independência e autonomia.  


Nesse aspecto, o conflito geracional vem somar para aumentar o peso na percepção que se tem sobre o controle.


Fazendo uma fotografia da composição atual das lideranças no mercado, segundo pesquisa de 2023 da Korn Ferry,  cerca de 50% das posições de liderança no Brasil são ainda ocupadas por pessoas da Geração X (nascidas entre 1965 e 1980).


Essa geração tende a ser mais pragmática, focada em resultados, valorizando a estrutura e a estabilidade dando muita importância para o trabalho duro e dedicação, muitas vezes acabam adotando um comportamento de controle que é percebido pelas gerações mais novas (Millenials nascidos entre 1981 e 1996 e GenZ nascidos a partir de 1997) como excesso de controle, uma vez que essas gerações pedem por autonomia, independência, flexibilidade e rapidez.


Como tendência geral, o que é visto como uma gestão focada para um grupo é percebida como microgestão para o outro.

O que não podemos negar é o papel do líder como condutor. Numa metáfora, sabemos que, como capitão de um navio  você não pode deixar o barco à deriva... precisa garantir que exista sempre alguém no leme, alguém olhando o radar, alguém de olho na previsão do tempo e que não dá para controlar tudo sozinho.


Fazendo isso em equipe e em harmonia os resultados serão de uma viagem bem dirigida, mesmo se houver  temprestades no caminho.


Então como saber se estou ou não no excesso de controle? Que perguntas posso me fazer  que me ajudariam a avaliar se determinada atitude é ou não microgestão, um excesso de controle?


Aqui vão alguma ideias de perguntas que podem ajudar:


  • Como eu me sinto quando não tenho controle?

  • Qual é o grau de confiança que tenho em minha equipe?

  • Qual é a abertura que dou para meu time trazer novas ideias?

  • Que reações tenho frente ao erro?

  • Com que frequencia e com que qualidade faço acrodos com meu time, meus pares, meus líderes, sobre os resultados esperados? E como fazemos o acompanhamento desses acordos?

  • Como é a relação entre os meus reportes diretos?

  • Qual é o grau de autonomia que temos no time?

  • Temos uma boa visão de para onde estamos indo como empresa?


Voltando para a minha experiência com o controle, reflito hoje se aqueles feedbacks que eu percebia como elogios, eram resultado de um “excesso” de controle, do meu medo de não ser reconhecida como uma líder bem-sucedida.


Digo isso porque, na medida em que criei segurança interna para delegar de forma menos diretiva e para aceitar soluções que fossem diferentes das que eu acreditava serem melhores, vi o time florescer, desenvolver novas ideias e ir muito mais longe do que quando eu me sentia insegura e tinha medo de abalar minha reputação como gestora.

Deixo esse artigo com uma certeza no coração: cada vez mais me convenço que cada ser humano percebe um comportamento a partir de seu próprio mundo.


Excessos, para qualquer um dos extremos, são sempre danosos. É a partir do meu desejo como ser humano de compreender e ajustar essas percepções (sejam elas minhas, do outro, da organização ou do mundo) que podemos criar um ambiente mais saudável onde a colaboração, a descoberta do novo e o prazer de desenvolver sejam vividos plenamente.


Christine Bona é coach PCC (Professional Certified Coach) | Membro da Eight | Facilitadora de Diálogos | Mentora | Formadora de Facilitadores em Codesenvolvimento | Co-fundadora da Rede Codesenvolvimento Brasil.  Buscando sempre o novo para apoiar pessoas na descoberta e construção do caminho em direção ao seu propósito.

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