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Um Feedback e dois cafés

  • Foto do escritor: Karina Colpaert
    Karina Colpaert
  • há 22 horas
  • 8 min de leitura

Atualizado: há 3 minutos

O caso abaixo é inspirado num fato real. Todos os nomes foram alterados para preservar a identidade dos envolvidos.

 

No meio da tarde uma mãe recebe uma mensagem de WhatsApp de um número desconhecido. A pessoa se apresenta de maneira muito educada como mãe de 3 meninos e pergunta se ela é mãe do Vinicius Junior. Mediante uma resposta afirmativa, ela pergunta ainda se podem se falar sobre uma situação que aconteceu com o filho dela na aula de futebol.


A imagem ilusta o título do artigo: um feedback e dois cafés

Abaixo vou escrever como foi o diálogo (Caso 1):


Olá, sou Carmem! Tudo bem? Sou mãe de 3 meninos, Christiano Ronaldo com 12 anos, Leonel com 10 anos e Neymar com 7 anos, e sei o quanto é desafiador educar meninos nessa idade!


- Olá, Carmem, tudo bem! Nossa, devem ser craques no futebol! E com você, tudo bem? Te agradeço pelo contato.


- Olha o que vou te falar é um relato dos meus filhos, eu não estava na aula. Por isso, o que falarei é uma percepção dos meus filhos. Ontem na aula de futebol o seu filho falou muitos palavrões, o professor o repreendeu e como consequência retirou o seu filho da aula.


- Te agradeço por compartilhar o ocorrido. Mediante sua mensagem no WhatsApp perguntei para meu filho o que tinha acontecido na aula e ele me contou o que você acabou de dizer. Obrigada por me mandar mensagem porque só assim sei o que aconteceu, certamente ele não me contaria espontaneamente!


- Pois é, achei importante te avisar, pois há crianças menores na aula. Meu filho mais velho, que já entrou na pré-adolescência, também fala palavrões quando joga videogame. Conheço bem esse desfio de educá-los! Seu filho saiu da aula e foi embora. Não sei se ele se desculpou com o professor, parece que o Vinícius Junior ficou muito chateado. Sugiro que ele se desculpe, será um ótimo exemplo para todas as crianças. Assim, todos aprenderão juntos!


- Realmente, ele não pediu desculpas. Conversamos sobre isso e já combinamos que na aula que vem ele pedirá desculpas. Carmem, acredito no seguinte provérbio indígena: “É preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança” e por isso, realmente te agradeço.


- Eu vi umas mensagens de outras mães no grupo de WhatsApp, mas preferi falar diretamente com você. Faço com você o que gostaria que fizessem comigo!


- Você está certíssima, falem PARA a pessoa e não DA pessoa! Olha, precisamos marcar um café, gostei da nossa troca!


- Eu também, foi ótimo sentir sua abertura e que bom que você já havia falado com o Vinicius Junior. Aliás, meus filhos também me falaram que ele é o melhor jogador, que merecia ganhar uma bola de ouro! Não pelos palavrões, mas pelo talento! (risos)


- Que legal! Obrigada, vamos marcar nosso café para nos conhecermos pessoalmente!

__________________________________________________________________

 

Vocês perceberam que esse diálogo foi uma conversa corajosa, que envolveu intencionalidade de abertura, baixo julgamento e conexão?


Ou seja, o feedback está presente seja no trabalho ou nas relações pessoais sociais. Mas será que você está atento, e disposto, a oferecer e receber feedbacks construtivos?

 

Somente no mês de junho de 2025, eu junto com alguns Eighters realizamos 9 workshops sobre o tema feedback em diferentes empresas. Achei interessantes alguns relatos que compartilho a seguir, junto com algumas dicas de como oferecer e receber feedbacks de maneira construtiva, igual ao exemplo da conversa das mães.

Algo que me chamou atenção é que perguntamos aos mais de 200 participantes desses workshops: Qual foi o feedback que fez diferença na carreira de vocês? 

 

Curiosamente muitos dos exemplos citados trazem uma memória emocional, sendo a maioria deles ocorridos há mais de 10 anos! E, infelizmente, boa parte das pessoas não tinham boas recordações.

 

Será que o feedback está sendo utilizado como uma ferramenta de aprendizado ou uma ferramenta de ameaça e punição?


Trago dois exemplos reais que demonstram os diferentes tipos de utilização do feedback:

 

Relato 1 (aprendizado): Um participante contou que, após apenas um mês na empresa, conduziu sua primeira reunião para apresentar o projeto do qual era responsável. Ao final, sua liderança pediu que ele permanecesse mais 10 minutos para conversar. Ela reconheceu que a apresentação estava muito bem estruturada, mas destacou que houve pouca interação e ausência de um momento para dúvidas e escuta dos participantes. Ressaltou, ainda, que estimular o envolvimento das pessoas aumenta o engajamento com o projeto. Animado, o participante relatou que esse feedback foi decisivo não apenas para sua adaptação à nova empresa, mas também para transformar a forma como passou a conduzir reuniões ao longo da carreira. (Caso 2)


Relato 2 (ameaça): Já outra participante relembrou um episódio ocorrido há 10 anos, quando recebeu a seguinte frase de sua liderança: “Você é muito centralizadora, você atrapalha a sua equipe! Assim não vai dar certo!” No momento, soou como uma ameaça e a deixou sem clareza de como evoluir. Foram necessários sete anos — e muita terapia — para compreender que, na época, utilizava o microgerenciamento porque tinha dificuldade em delegar. Era sua primeira experiência como gestora, ainda sem segurança ou competências de liderança desenvolvidas. O caminho para o aprendizado foi solitário, exigindo esforço para crescer profissionalmente e, sobretudo, para resgatar sua confiança em liderar pessoas. (Caso 3)


São muitos exemplos relatados, mas esses dois demonstram que O COMO faz diferença na vida das pessoas. Nos dois exemplos, eles aprenderam, mas percebam que um construiu uma relação de ponte e o outro uma relação de muro. Ao escutá-los percebi que um trouxe à tona o potencial da pessoa gerando engajamento, já o outro afetou inclusive a autoestima levando a um sofrimento.

 

Outro ponto que observei é que há uma confusão sobre o que de fato é o feedback.


As pessoas entendem que o feedback acontece em reuniões programadas ou em reuniões individuais (1-1) ou na avaliação de desempenho. Mas precisamos estar atentos pois o feedback pode acontecer numa conversa que parece ser informal.


Se esta conversa está ampliando a sua percepção sobre a situação e o impacto da sua atitude, é um feedback.  Ao escutar um feedback você não precisa concordar com o que está sendo falado, mas busque compreender o ponto de vista apresentado. Utilize sua curiosidade e abertura para explorar o impacto das suas atitudes na relação com o outro.

 

O feedback é uma conversa difícil, corajosa e necessária. Estudando os princípios da comunicação consciente, percebo que o feedback não está sendo muito utilizado porque o ponto de partida do mesmo é a capacidade de observação de um comportamento.


E esse é um outro questionamento que provoco: Como está a qualidade da sua observação? Sua atenção está mais focada nas pessoas ou nas tarefas? Você está observando, sem julgar ou interpretar, ou simplesmente quer expor uma opinião? E mais, se você investe tempo em falar PARA a pessoa ou DA pessoa?

 

Essas provações abrem espaço para refletimos que o feedback é visto como uma crítica. Nosso cérebro é econômico, ele fica alerta e a qualquer identificação de perigo vai para um mecanismo de luta ou fuga. Tanto para oferecer um feedback como para receber um feedback há um investimento de energia, atenção e tempo. E se enxergamos como uma crítica ou uma ameaça, haverá uma tendência natural de evitá-lo.

 

Por essa razão, não podemos agir naturalmente, temos que mergulhar numa atitude consciente e intencional. Ver o feedback como uma oportunidade de aprender ou no mínimo praticar uma escuta ativa, sem se colocar na defensiva, utilizando a habilidade de ponderação. O feedback é um drone que te ajuda a olhar a situação com maior distanciamento e se perguntar: O que posso fazer diferente numa próxima vez?

 

Utilizar um modelo estruturado de feedback, ajuda a organizar o que foi observado e buscar uma atitude positiva para o aprendizado. Auxilia a sair do lugar de apontador de erros e culpados para uma posição de olhar o processo como uma melhoria contínua.

 

O modelo SCIA (Situação – Comportamento – Impacto – Ação) é uma adaptação do modelo SBI (Situation – Behavior – Impact), criado pelo Center for Creative Leadership (CCL).


Para melhor exemplificar vou trazer os casos citados anteriormente no modelo SCIA:


Exemplos de FEEDBACK CONSTRUTIVO


Caso 1 – Aula de Futebol


Qual foi a situação?

“Olha o que vou te falar é um relato dos meus filhos, eu não estava na aula. Por isso, o que falarei é uma percepção dos meus filhos. Ontem na aula de futebol o seu filho falou muitos palavrões, o professor o repreendeu e como consequência retirou o Vinicius Junior da aula.”


Qual foi o comportamento observado?

“Seu filho falou muitos palavrões, o professor o repreendeu e como consequência retirou o Vinicius da aula. Seu filho saiu da aula e subiu direto para casa. Não sei se ele se desculpou com o professor, parece que o Vinicius Junior ficou muito chateado.”


Qual foi a percepção do impacto?

“Achei importante te avisar, pois há crianças menores na aula. Eu vi umas mensagens de outras mães no grupo, mas preferi falar diretamente com você.”


Qual é a sua sugestão de ação (acordo)?

“Sugiro que ele se desculpe, será um ótimo exemplo para todas as crianças. Assim, todos aprenderão juntos!”


Caso 2 – Reunião


Qual foi a situação?

O participante trabalhava há 1 mês na empresa, quando realizou uma 1a reunião onde apresentou o projeto do qual era responsável.


Qual foi o comportamento observado?

A sua liderança observou que ele havia estruturado muito bem a apresentação, mas achou que ele fez poucas interações de troca.


Qual foi a percepção do impacto?

Não houve um momento para tirar dúvidas e escutar os participantes. Estimular o envolvimento das pessoas gera mais engajamento no projeto.


Qual é a sua sugestão de ação (acordo)?

Este feedback fez muita diferença na forma de conduzir reuniões. Passou a criar momentos de perguntas e interações nas suas reuniões.

 


Este modelo pode ser usado tanto para um feedback construtivo, como exemplificamos acima, como também pode ser usado para um elogio. Outro fator que me intriga é que pouco se utiliza a apreciação, e tenha certeza que o elogio é a melhor ferramenta de engajamento. Inclusive, ele pode ser realizado publicamente!


Caso 3 –

 

Não podemos considerá-lo como um feedback construtivo, neste exemplo enxergo como uma crítica destrutiva. A frase: “Você é muito centralizadora, você atrapalha a sua equipe! Assim não vai dar certo!” está carregada de julgamento e ao utilizar o adjetivo “centralizadora” culpabiliza a pessoa. Não houve uma sugestão de mudança positiva de atitude, mas uma ameaça cristalizada de “não vai dar certo”.

 

Quando traduzimos o feedback para nossa língua nativa, ele ganha um significado muito mais profundo e até poético: Retroalimentação.


Por isso, se questione: suas palavras nutrem ou envenenam?

Pense que o feedback é um alimento nutritivo que amplia a autopercepção das pessoas e se bem utilizado gera conexão. Ao oferecer e receber um feedback cuidadoso e honesto com intenção de trazer o melhor do outro à tona, gera confiança na relação.

 

E se você está se perguntando: Como receber um feedback com abertura? Use o mesmo modelo SCIA, e assuma você uma postura de curiosidade, pratique as perguntas e guie a conversa de maneira construtiva:


  • Qual foi a situação? 

  • Qual foi o comportamento observado por você?

  • Qual foi a sua percepção do impacto do meu comportamento?            

  • Qual é a sua sugestão de ação?

  • O que eu aprendo com isso e posso fazer diferente numa próxima vez?

 

Desenvolver uma cultura baseada em aprendizados e confiança requer praticar o feedback como uma comunicação consciente. Isso vale para qualquer relação, no trabalho ou na vida pessoal.

 

E sabe como acabou a primeira história? Teve final feliz! As mães tomaram um café conforme combinado e hoje os filhos e as mães cultivaram uma bela amizade! Olha aí o feedback como ferramenta de conexão para além do ambiente corporativo!


Karina Colpaert

Psicóloga e Cofundadora da Eight Diálogos que Transformam

Gosta de escutar as pessoas porque além de fazer conexões autênticas, percebe que a escuta possibilita ampliar e compreender o ser humano em suas múltiplas facetas

Especialista nas temáticas de Saúde Mental, Emocional e Social nas Organizações, Comunicação Consciente, Feedback e Mediação de Conflitos.

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