Há mais de dez anos, venho refletindo sobre o impacto econômico, social e ambiental da integração de práticas e iniciativas entre as organizações do segundo setor (empresas privadas com fins lucrativos) e as do terceiro setor (ONG´s, institutos, fundações sem fins lucrativos). Tive a oportunidade de trabalhar em diversas organizações com fins lucrativos e com ONG´s que me deram uma boa visão dos modelos organizacionais predominantes em cada um dos setores.
Essa reflexão começou em 2011, quando eu era Diretor de uma multinacional do segmento de tecnologia e assumi uma nova responsabilidade: liderar a prática de soluções para tonar as cidades mais inteligentes e resilientes. Nesse cenário, decidi fazer o curso Educação Gaia – Desenho de Sustentabilidade - liderado pela Ecovila de Findhorn (referência em modelos sustentáveis) e que conta, no Brasil, com instrutores que vivem em ecovilas locais e com especialistas nas áreas de sustentabilidade, humanização e comunicação não violenta.
Nas primeiras semanas do curso, tive a sensação de ser um completo "estranho no ninho". A maioria absoluta dos alunos eram oriundos do terceiro setor, com um alto nível de consciência e conhecimento sobre os impactos que a sociedade de consumo e modelo com foco direto em resultado financeiro haviam causado no mundo.
Eu, um executivo de uma grande corporação, que chegava com a SUV dada pela empresa, vestido com roupa social e que acreditava que fazia "muito" com poucos “recursos” e, apesar do meu interesse, não tinha tido muitas oportunidades de me aprofundar nos temas relacionados à sustentabilidade.
Foi ali que percebi o gigantesco hiato entre os modelos organizacionais do segundo e do terceiro setores. Eu também me dei conta que as iniciativas e projetos do terceiro setor careciam de mais estrutura, processos claros e agilidade na tomada de decisão para maximizar os impactos propostos.
E, ao invés de aumentar ainda mais esse hiato, decidi contribuir a partir das minhas experiências em gestão de grandes projetos, compartilhando conhecimento e aprendendo muito com os demais participantes.
Em 2014, decidi sair da Organização, tirar um período sabático e ressignificar minha carreira. Fui para África do Sul “turistar” e estudar inglês e, por sincronicidade, acabei me formando em Teoria U, na Cidade do Cabo.
A Teoria U é uma abordagem de transformação/evolução de grupos, sociedade e organizações desenvolvida no MIT pelo mestre Otto Scharmer. Desde então, venho atuando tanto no segundo setor, quanto no terceiro setor com foco em desenvolvimento de lideranças e times, Cultura Organizacional, coaching e mentoring.
Para dar maior embasamento sobre que aprendizados o segundo e o terceiro setores podem ter entre si, vou trazer alguns elementos sobre o desenvolvimento organizacional, a partir dos modelos organizacionais apresentados por Frederik Lalour em seu livro, Reinventando Organizações. Além disso, vou acrescentar alguns conceitos do curso Educação Gaia, da Teoria U e os aprendizados que tive ao suportar organizações dos dois setores.
No âmbito do desenvolvimento organizacional, dois modelos apresentados por Lalour são predominantes no estágio atual:
Um mais característico das empresas com fins lucrativos (2º setor): o Modelo Realizador – Laranja.
O outro mais característicos de empresas sem fins lucrativos (3º setor): o Modelo Pluralista - Verde.
Os dois modelos se encontram em transição para o Modelo Evolutivo – Cor Teal e já percebemos várias características do novo modelo presentes na maioria das organizações, independente do setor.
Abaixo os quadros que mostram as características desses modelos e os principais aspectos dessa transição:
Na transição desses modelos, já percebemos atualmente nas organizações:
Revisão de propósito para um propósito mais inspirador;
Ações para melhoria do bem-estar dos funcionários: saúde mental, segurança psicológica comunicação;
Evolução para culturas mais inclusivas e colaborativas;
Redução da hierarquia, com maior autonomia e empoderamento;
Foco em indicadores mais estratégicos;
Sustentabilidade/ ESG nas agendas estratégicas das empresas do segundo setor.
Ao analisar as características nos modelos realizador e pluralista e suas sombras, percebe-se uma grande complementaridade, o que evidencia ainda mais o potencial de colaboração e aprendizagem entre os dois setores.
Esse potencial de colaboração e ação conjunta entre os setores fica ainda mais acentuado pela demanda por sustentabilidade e ESG (meio ambiente, segurança e governança) no segundo setor. Cada vez mais há a necessidade de interagir com as comunidades do entorno que são afetadas pela operação das empresas e de reduzir os impactos ambientais.
Nesse sentido, o terceiro setor tem uma forte contribuição pela sua experiência profunda na interlocução com líderes comunitários, governos e órgãos de regulamentação ambiental. Bem como, com suas práticas mais colaborativas e participativas internas e externas.
Este tem a necessidade de ganhar agilidade, estruturar melhor seus processos, desenvolver indicadores que demonstrem com mais clareza os impactos gerados por suas iniciativas. Nesse aspecto, as empresas do segundo setor podem ajudar muito as organizações sem fins lucrativos.
O quadro abaixo apresenta várias áreas potenciais de aprendizado entre os dois setores:
Imaginem se a sociedade civil se tornar cada vez mais organizada, com mais iniciativas maximizando seu impacto na sociedade e no meio ambiente e se as empresas com fins lucrativos entenderem mais profundamente a sua importância no cenário socioambiental, atuando de forma a minimizar os impactos no ecossistema em que atuam. Agora imaginem se esses dois setores somarem suas forças nessa direção!
Acredito profundamente que a partir da integração mais forte e colaborativa entre as organizações do terceiro setor e as empresas, especialmente as grandes corporações, teremos a possibilidade construir um futuro com maiores possibilidades para todos e com menor impacto socioambiental.
Quanto mais parcerias de impacto forem fomentadas de forma conjunta entre os dois setores e quanto maior for o aprendizado entre eles, teremos:
Maior influência sobre o setor público para sua participação e alocação de recursos em áreas que realmente tragam benefícios tangíveis para todos a curto, médio e longo prazos;
Decisões que vão além dos muros da organização e passam pelo bem-estar não só dos colaboradores, mas do entorno;
Minimização e soluções concretas para as questões climáticas, energéticas, desmatamento, abastecimento, redução e reciclagem do lixo, etc
Inovação com propósito.
Entre outros impactos positivos que permitem maior longevidade para as organizações, para sociedade e para o meio ambiente.
Artigo Escrito por:
Renato Santos - Cofundador da Eight e Facilitador de Diálogos
Comments