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O que não pode faltar na sua estratégia de retomada

Atualizado: 3 de abr.


Conheço muitas empresas que ensaiam o retorno ao trabalho presencial. Para isso, vêm traçando as mais diferentes estratégias: montam comitês para discutir o assunto; buscam referências no exterior; pedem socorro ao Sebrae, ao Sesi e a outras entidades voltadas ao empreendedorismo, à indústria ou ao mundo dos negócios; ou se inspiram nos planos e recomendações do governo ou de equipes médicas especializadas de confiança. Há, ainda, quem tenha radicalizado, como algumas empresas de tecnologia, que decidiram liberar o home office para o ano todo. A verdade é que desenhar essa estratégia tem tirado o sono de muitos CEOs e RHs. Afinal, a insegurança e as incertezas ainda rolam soltas. Cito três motivos:

  1. A gente ainda não sabe o efeito real da pandemia. A cura ou uma solução para a COVID-19 parece cada vez mais próxima - mas nem tanto. A abertura de alguns países e de algumas cidades brasileiras mostram que, de uma hora para outra, pode ter que fechar tudo de novo. O risco de novos surtos é real. Além disso, começa a surgir um efeito colateral, que é o aumento de casos de doenças psicológicas, como depressão, transtornos de compulsão e várias outras, que podem acometer boa parte dos colaboradores das empresas.

  2. Mais do que nunca, ter um time de alta performance se faz urgente. Mesmo revisando budget, forecast, projetos e planejamentos do ano, será preciso tirar o atraso desses quatro meses de quarentena, que impactaram os resultados dos negócios. Em muitos lugares, as equipes ficaram ainda mais enxutas pelos desligamentos ou pelo afastamento compulsório dos públicos de maior risco.

  3. O “novo contexto” também demandará mais uma adaptação, da mesma forma que aconteceu quando a quarentena começou. Quatro meses é tempo suficiente para criar novos hábitos e comportamentos, que precisarão ser deixados de lado. Encontrar os colegas pode ser a parte mais divertida, mas e o trânsito? E perder a convivência com a família e os pets, em especial aqueles micro momentos que tornam a vida tão especial? E a “comida de casa”, mais saudável e bem menos pesada para o bolso? Não podemos nos esquecer de que nada será como antes: as regras de distanciamento e de higiene precisarão ser respeitadas e percepções de novas perdas serão evidentes. Precisaremos lidar com elas.

O que eu tenho conversado com muitos líderes é que, mesmo considerando todas os aspectos de segurança, normas de distanciamento e cautela para esse processo de retomada, as questões relacionadas as relações humanas e conexão do time merecem atenção especial e precisam estar no coração da estratégia.

Pensando nisso, há uma abordagem a ser considerada. Seu nome é quase um palavrão, não muito apreciado pelo mundo corporativo. Estou falando do Team Psychological Safety (TPS) ou, em português, Segurança Psicológica do Time (SPT). Esse pode ser um bom ponto de partida para o líder interessado em gerar uma condição mais adequada da retomada.

Mesmos as empresas que já demonstraram preocupação com a saúde dos funcionários e adotaram, por exemplo, práticas voltadas ao bem-estar, como aulas de meditação e yoga ou feito convênios com empresas como a Vittude, da Tatiana Pimenta, que oferece terapia e aconselhamento de psicólogos, podem e precisam dar um passo além. E é isso que a segurança psicológica de times oferece.

A definição que mais gosto do SPT data de 1999, foi cravada pela Professora Amy Edmonson, de Harvard, e se refere a:

um entendimento compartilhado entre os membros de um time de que há segurança para a tomada de riscos interpessoais.

Percebe o que isso quer dizer?

Sentir-se seguro para tomar riscos “dentro de casa”, dentro da própria empresa, com os chefes e colegas.

Ao lado do time da @Eight∞ e outros convidados, eu tive uma longa conversa sobre o assunto com um especialista no tema. Peter Cauvelier é PhD em gestão de conhecimento e inovação e reforçou que falar de segurança psicológica é falar de confiança, de aprendizagem, de inovação e de alta performance. Sem o primeiro ponto, no entanto, não se evolui. Ele é primordial, é a força motriz de tudo. Sem confiança não há espaço para os tais riscos interpessoais, isto é, para:

  • Fazer perguntas;

  • Para ser o “advogado do diabo” e contestar dados e práticas;

  • Pedir ou dar ajuda ou aconselhamento;

  • Pedir ou dar feedback;

  • Admitir que não entende um assunto ou uma proposta;

  • Admitir que não está confortável com uma situação.

  • Errar e assumir o erro.

Um líder interessado em criar esse “espaço” onde a segurança psicológica do time é estabelecida consegue endereçar muitos dos desafios que já existiam dentro do ambiente corporativo, antes mesmo da COVID-19 vir tornar esse mundo ainda mais complexo e hostil. Nesse sentido, um aspecto que pode ser destacado é o da diversidade – não só de gênero, de raça e de identidade, mas também de opiniões. Será que você tem abertura para falar abertamente dentro do seu grupo ou da sua organização? Será que você confere essa abertura a quem te rodeia?

Estudo recente da McKinsey[1] sobre o assunto não é muito animador. Demonstrou que:

  • 84% dos entrevistados admitiram já ter sofrido micro agressões;

  • 39% desistiram de um emprego por causa da falta de inclusão em uma organização.

Além disso, se o Brasil já era o povo mais ansioso do mundo, o coronavírus aumentou, definitivamente, a pressão: ainda há medo de perder o emprego, de perder a vida ou até de perder os novos hábitos adquiridos no período de isolamento. Embora o distanciamento social tenha diminuído, o medo de ser infectado, segundo o Datafolha[2], não seguiu o mesmo rumo – pelo contrário, aumentou. Pesquisa do LinkedIn[3] sinalizou, também, que 62% dos respondentes estão mais ansiosos e estressados com o trabalho do que antes. É por isso que eu acho importante reforçar que ser um líder preocupado com a segurança psicológica da equipe não significa se tornar o psicólogo do time, mas de ser um facilitador. Do quê? De conexões, de relações humanas.

“Muitos aspectos da nossa biologia são projetados para nos ajudar a nos conectar com os outros, mas muitas coisas podem ficar no caminho. Nós só nos conectamos verdadeiramente quando estamos seguros o suficiente para fazê-lo, quando não nos sentimos ameaçados física ou psicologicamente.” Amy Edmonson

É quase uma operação física: quem não gasta energia com o medo, tentando se proteger de ameaças, agressões ou até de equívocos, a utiliza de forma positiva. O cérebro está liberado para criar, para produzir. É por isso que Peter ressaltou, durante o nosso 8Talk, que a confiança é o caminho mais seguro para a aprendizagem, para a inovação e para a alta performance. Você não tem dentro do seu time um funcionário que voltou da guerra “com a calça rasgada”, mas alguém que se sente livre para se expor, para dizer o que sente e o que pensa, para gerar produção criativa, fazer diferente e melhor. A equipe ganha entrosamento, cria laços. Um aprende sobre o outro e todos aprendem sobre o grupo e sobre o negócio.

Então tá! Como saber se estou no caminho certo para gerar esse espaço seguro onde as pessoas podem correr riscos interpessoais?

Um boa alternativa é refletir sobre as perguntas abaixo:

  1. Qual a reação imediata a equívocos dentro do seu time – apontar dedos ou aprender?

  2. Como são tratados os temas delicados dentro do grupo - há muito elefante branco na sala?

  3. Existe realmente lugar de fala e lugar de escuta dentro desse grupo?

  4. Há, de fato, espaço para sair da zona de conforto e tomar riscos?

  5. É possível demonstrar limitações e vulnerabilidades ou pedir ajuda é interpretado como sinal de fraqueza e de incapacidade?

  6. Há uma colaboração espontânea entre o grupo ou mais competição e individualismo?

  7. Competências, talentos e contribuições de cada integrante são reconhecidos e valorizados como parte fundamental do grupo e do resultado?

Reagir a erros, lidar com questões, aceitação da diversidade, correr riscos, pedir ajuda, suporte mútuo e apreciação são componentes fundamentais para gerar essa conexão que estamos falando.

Pergunto: será que uma ou mais dessas respostas criou incômodo? Uma dúvida talvez?

A consciência e a maior clareza desses pontos, durante esse contexto de “crise” ou retomada, podem ser facilmente esclarecidas com conversas de 10 minutos, só para fazer um check-in com o grupo sobre esses elementos. É possível perguntar, por exemplo:

· Estamos nos sentido apreciados uns pelos outros?

· Como poderíamos expressar apreciação para alguém no grupo agora?

· O que vocês estão apreciando deste grupo durante essa pandemia?

Essas questões, tão simples, podem garantir que a apreciação esteja viva no grupo e, principalmente, que estendida e trocada entre todos.

Bom, como já pode imaginar, há muito o que ser falado sobre o assunto. Reservei, porém, um incentivo final: a segurança psicológica de times pode não ser medida, como também desenvolvida. Além de trocar figurinhas com Peter e outros especialistas na área, eu tenho acompanhado de perto os benefícios de desse investimento. É claro que a criação de um ambiente onde a confiança impera não ocorre de uma hora para outra, do dia para a noite. É preciso promover o despertar da consciência do time e trabalhar cada questão com honestidade e transparência. Os resultados, porém, são rápidos e animadores.

Para citar um bom exemplo dessa evolução, em um dos meus clientes, quase 50% dos membros da equipe de Tecnologia da Informação sentiam que suas habilidades e talentos não eram apreciados ou utilizados. Dois meses depois, com alguns diálogos e novos combinados, esse percentual caiu para 29%. O time tomou como compromisso abrir a agenda para ter mais momentos de aproximação uns com os outros, para se conhecerem melhor, para promover conversas sobre como um poderia ajudar o outros nos desafios, para dar e receber feedbacks. Um deles até declarou: “no começo, eu achei que essas conversas não chegariam a lugar nenhum. Hoje percebo o quanto me sinto mais dentro do time”.

Por que esse é o momento ideal para falar de SPT?

Esse momento de retomada é também um recomeço. Ninguém passou ileso por essa experiência do isolamento. Não foram só os hábitos e comportamentos que mudaram – as pessoas também. Embora a tecnologia tenha facilitado os encontros, a conexão não é a mesma. Confiança a gente desenvolve no olho no olho. Peter diz que as conversas informais fortalecem os times, são um greenfield para as organizações, já que seu potencial é muito pouco explorado. Ter uma equipe coesa, centrada e integrada é a aposta mais segura, uma forma de filtrar medos, diferenças e divergências para o atendimento do que precisa ser feito e canalizar a energias e talentos para responder às demandas mais urgentes, com criatividade e eficiência, como o momento nos exige. Quem não precisa disso? Quem não quer isso?

Por isso, eu não tenho dúvidas de que investir na criação de relações e conexões, tendo como base os aspectos da Segurança Psicológica para Times (sem usar esse nome “assustador” 😉), pode ser um bom ponto de partida para a estratégia de retomada ou recomeço de qualquer empresa.

Quer conversar mais sobre isso? Então, deixei um comentário abaixo ou me mande uma mensagem.

Magali Lopes é Facilitadora de diálogos, Mestre em Action Learning e Coach Executiva.

Referências:

[1][1] McKinsey: https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/understanding-organizational-barriers-to-a-more-inclusive-workplace.

[2] Folha de S.Paulo – “Medo do coronavírus aumenta, mas isolamento total diminui, mostra Datafolha”: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/06/medo-do-coronavirus-aumenta-mas-isolamento-total-diminui-mostra-datafolha.shtml

[3] Pesquisa LinkedIn: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/2020/05/27/home-office-deixa-profissionais-mais-ansiosos-e-estressados-revela-pesquisa-do-linkedin.ghtml.

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