Autoconexão e a máscara de oxigênio
- Debora Gaudencio
- 12 de jul. de 2019
- 3 min de leitura

Eu nunca prestei muita atenção nas instruções da tripulação antes da decolagem do voo, confesso. Amo viajar, mas voar não está entre as atividades que tenho mais prazer, na verdade, no momento inicial, antes da decolagem me sinto um pouco tensa. No entanto, uma instrução sempre me chamou atenção e me deixava intrigada: “Em caso de despressurização máscaras individuais de oxigênio cairão automaticamente. Puxe uma delas para liberar o fluxo, coloque sobre o nariz e a boca, ajuste o elástico e respire normalmente, auxilie crianças ou pessoas com dificuldade somente após ter fixado a sua”.
Mãe de duas crianças, o procedimento não fazia muito sentido para mim. Soava como um pouco de descuido. Talvez pelo peso que o papel de mãe às vezes nos imprime, com todo o seu “tenho que” proteger, cuidar, pôr em segurança essa criança.
Com o tempo, porém, essa instrução tem se tornado um dos meus arquétipos favoritos. Uma metáfora perfeita para o equilíbrio entre cuidado de si e dos outros. Como nutro os outros se não estou nutrida? Como inspiro os outros se não estou inspirada? Como ajudo o outro a respirar se não estou respirando?
Agora, sim, depois de fazer essa ligação, a instrução fez todo o sentido. A partir dessa consciência faço o que na Comunicação não Violenta chamamos de Autoconexão ou Autocuidado. Conecto comigo, cuido da minha vida interna para a partir disso conseguir me expressar de forma autêntica ou oferecer minha presença gerando empatia na relação. Esses são os pilares dessa abordagem de comunicação colaborativa e o autocuidado é o pilar basilar.
O que tem me impressionado, tanto nos processos de coaching que conduzo, quanto nas facilitações dos grupos, é perceber quando um ritual de autocuidado ou uma rotina de autoconexão é algo distante da maioria das pessoas.
Não aprendemos a parar tudo por um momento e focar em nós. Não nos ensinam na escola a parar tudo e
prestar atenção em nosso corpo.
Ou a perceber nossos sentimentos, a ouvi- los e acolhê-los,
já que eles dizem tanto sobre nós.
Não aprendemos a cultivar um momento só nosso.
Como consequência, tenho visto desconexão entre as pessoas, diálogos pautados em julgamentos e interpretações, expectativas frustradas, desentendimentos, culpas, acusações, pedidos sem clareza, intenção ou propósito. Queremos ouvir o outro, mas não ouvimos a nós mesmos. Queremos ser empáticos com os outros, mas não somos empáticos conosco.
Tenho aprendido que a empatia surge quando nos colocamos à disposição em ouvir o outro com presença genuína. Você já experimentou se ouvir, integralmente, seu pensar, seu sentir, seu querer, em presença, com acolhimento e sem julgamento? Tenho experimentado essa escuta e conexão individual buscando o tão famoso “momento presente” com o apoio dos elementos da Comunicação Não Violenta.
Faço algumas perguntas:
Que informações estou percebendo através dos meus cinco sentidos?
Que sensações físicas e emocionais estou sentindo?
Quais necessidades são importantes para mim agora?
Qual seria o meu pedido para contribuir com meu bem-estar?
Essa reflexão me conecta com o presente e me ajuda a ter mais clareza e consciência do que preciso. Aprendo mais sobre mim.
Nossa intenção muitas vezes é sermos altruístas e atendermos as necessidades dos outros. Mas sem conhecer, quais são as minhas necessidades, sem ouvir o que é importante para mim, o que preciso, o preço pode ser alto demais. Pode faltar oxigênio. E nesse momento, como a criança em uma situação de risco no avião, o outro não conseguirá suprir esse nutriente que falta. A consequência será, eu fico sem e talvez ele também. Então, para mim, um ritual de autoconexão demostra amor e cuidado, por mim e pelos outros.
Debora Gaudencio é Facilitadora de diálogos, coach e co-fundadora da Eight. Pesquisadora e Facilitadora em Comunicação Não Violenta Apóia indivíduos a terem relações que os conectem genuinamente uns com os outros no mundo do trabalho.
Comments