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  • Foto do escritorMichele Crevelaro

Segurança Psicológica de Times, Espaços Transformadores e Aprendizagem

Atualizado: 8 de abr.

A Arte de Criar Espaços Transformadores: Uma Jornada através da Segurança Psicológica de Times e Aprendizagem



No começo deste ano, passei por um desafio que alguns pais ou cuidadores podem se identificar.


Depois de alguns anos frequentando a mesma escola pequena, localizada no bairro e reconhecida por ser muito acolhedora, onde todos se conheciam, chegou o momento de minha filha dar um passo adiante em seu desenvolvimento escolar.


Era hora de deixar para trás esse ambiente familiar e confortável, não apenas para ela, mas também para mim. Meu coração apertou, percebi que ela estava crescendo e que já tinha mais autonomia do que eu imaginava. Era preciso dar espaço, confiar e deixar ela crescer e se desenvolver, e, ao mesmo tempo, ficar próxima o suficiente para que ela sentisse que eu estaria por perto, se necessário.


Quando ela começou as aulas na nova escola, logo de cara, ela quis desistir, voltar para o ambiente conhecido, pequeno e acolhedor. Me culpou pela mudança (claro!) e para aumentar essa culpa, ainda me disse que não faria novos amigos (risos nervosos).


Confesso que, nessa hora, uma saudade pela antiga escola tomou conta de mim, principalmente ao perceber o medo dela e o meu também, mas como diz Manoel de Barros, "o tempo só anda de ida". 


Comentei que era uma fase passageira, que mudanças são parte natural da vida e que agora ela estava crescida, necessitando de novos desafios escolares. Que mudanças são positivas e que conforme crescemos, mais mudanças batem à nossa porta (e nem sempre ou quase nunca, estamos preparados).


Uma semana depois, ela já tinha novos “melhores amigos”. Sabia o nome dos professores. Já conhecia os espaços da nova escola. Estava com a grade das aulas em mãos e determinada a crescer e motivada a aprender coisas novas. Um alívio para o coração materno.


Por um instante pensei naquele "Ufa!" O que me trazia este alívio? Refleti que tínhamos tomado a melhor decisão!


Mas eu não sou de parar no primeiro sentimento, então continuei remoendo meu misto de emoções e percebi que o que eu queria, lá no fundo, era que minha filha sentisse que ela pertencia a um novo lugar, segura e com novas relações sendo construídas.

Frente a estes questionamentos sobre mudança, crescimento, desenvolvimento e muitas nóias maternas, lembrei das minhas aulas de psicologia da educação.


Na faculdade, me identifiquei com a teoria do psicólogo russo, Lev Vygotsky, a qual traz como centro de estudo, que a aprendizagem só ocorre pela interação social e pelo contexto cultural.

Para Vygotsky, o contexto cultural desempenha um papel crucial no desenvolvimento humano. Ele argumenta que as pessoas internalizam as normas, valores e práticas de sua cultura, influenciando sua cognição e comportamento.


Esta era uma preocupação que eu tinha com a mudança de escola e ainda tenho (e talvez sempre terei): Como a cultura da nova escola influenciará o comportamento da minha filha?


Voltando para o primeiro ponto da teoria, para Vygotsky, a interação social pode ser compreendida pela seguinte frase, que faz um sentido imenso para mim: através dos outros, nos tornamos nós mesmos.” Impactamos e somos impactados, afetamos e somos afetados, a todo momento, queira ou não.


Na situação da escola, quem são estes outros que vão ajudar a minha filha a se descobrir nesta nova fase da vida? Sem esquecer que ela é o outro que influencia muitas crianças também. Daí nasce a responsabilidade coletiva da educação.


Voltando ao psicólogo russo, ele compreende que através da ideia de que o desenvolvimento intelectual é fortemente influenciado pelo nosso ambiente e pelas interações sociais, ele nos apresenta o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).


E o que é essa ZDP?


Em síntese, o desenvolvimento de uma pessoa não pode ser entendido apenas pelo que ela já é capaz de fazer sozinha, mas também pelo que pode realizar com apoio de um guia/orientador mais experiente. Assim, a zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento atual do aprendiz e o potencial máximo que ele pode alcançar com essa assistência.


Eis aqui o meu insight para o início do meu relato pessoal: percebi que eu, os novos professores, os amigos e a nova escola da minha filha, eram a assistência para criar um ambiente seguro o suficiente para o potencial máximo que ela pode atingir.


Eu sei que este é um texto para um público organizacional, então trazendo para a realidade corporativa, a frase criar um ambiente seguro o suficiente para o potencial máximo que o outro pode atingir”, conecta perfeitamente com o tema deste artigo: Segurança Psicológica. Está aqui, o que eu também buscava na nova escola da minha filha - sem saber, mas sabendo. Eu queria um espaço para que a minha pequena pudesse ser ela mesma.


No ambiente corporativo, estamos buscando o nosso potencial máximo nas oportunidades que temos, porém nem sempre encontramos a assistência necessária para o desenvolvimento pleno de nossas capacidades.

Recorrendo a um outro psicólogo, neste caso o americano Carl Rogers, “quanto mais um indivíduo é compreendido e aceito, maior tendência tem para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, e para progredir num caminho construtivo.” 


Para ele, o ser humano possui um impulso inato em direção ao crescimento e à realização de seu potencial máximo, ou o que a biologia chama de heliotropismo, aquele movimento que os girassóis fazem buscando a luz do sol.


Se considerarmos que um indivíduo dentro de uma organização busca, em sua essência, a realização deste impulso inato para o crescimento, por que ainda deixamos de lado a conversa sobre a influência das interações sociais ou da cultura para o desenvolvimento de um solo fértil para o florescimento dessas potencialidades?


Segurança psicológica implica em pensar no coletivo, sair da individualidade ou daquilo que me cabe, para uma compreensão mais ampla sobre o que é melhor para todos neste ambiente. Resumindo: menos ego e mais eco! O Eco a que me refiro é o da ninfa da mitologia grega, conhecida por sua habilidade de repetir os últimos sons ou palavras que ouvia. Ela escutava atenta o que precisava reverberar no ambiente.


Entretanto, nas práticas de gestão de pessoas ainda parece ser mais fácil mudar um indivíduo, do que mudar um ambiente com suas normas, valores e tudo mais que cabe como artefatos culturais. É mais fácil olhar que o problema está no outro, do que buscar respostas em si mesmo.


Lembro de uma frase de algum treinamento de liderança que fiz: "todos querem mudar, mas ninguém quer ser mudado". De fato, no curto prazo pode parecer mais simples ou fácil, tentar mudar ou moldar uma pessoa. Porém, no longo prazo muitas marcas ou cicatrizes são deixadas no caminho e são essas marcas e cicatrizes que criam o caldo da cultura organizacional.


Acredito que você já tenha visto essa frase do poeta John Donne por aí: "nenhum homem é uma ilha, completo em si próprio; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo". Não dá para mudar a ilha sem pensar no arquipélago e no continente. Tudo está interconectado. Percebo que os resquícios de um pensamento cartesiano nos levam a uma racionalização simplória, onde basta separar o joio do trigo, que tudo se resolve.


Desenvolver pessoas e cultura dá trabalho!


Eis aqui, que chega a pandemia e, de repente, não adianta pensar só em mim, preciso pensar no coletivo.

Com isso, o tema da saúde mental vem com tudo e tornou-se, rapidamente, um dos grandes debates e o ambiente de trabalho emerge como um cenário fundamental na promoção do bem-estar.


Em suma, ninguém quer, como diz o título do livro de Jeffrey Pfeffer “Morrer por um salário”. Afinal, a morte já ficou próxima demais com a crise de saúde global.

Desde então, organizações ao redor do mundo vêm sendo desafiadas a repensar suas estruturas e culturas, não apenas visando custo e eficiência, mas também o cuidado com a saúde mental de seus colaboradores. Espaços organizacionais podem ser patogênicos ou salutogênicos, dependendo de como as relações são estabelecidas.

A necessidade de integrar segurança física com a psicológica e o aprendizado contínuo para inovação, pedem que os espaços de trabalho, não sejam somente centros de produtividade, mas ambientes de promoção de bem-estar e crescimento pessoal, e consequentemente, de sustentabilidade organizacional.


Amy Edmondson, autora do livro "A Organização sem Medo", que fala sobre a trajetória do conceito de segurança psicológica, afirma que a base deste estudo é um entendimento compartilhado por membros de uma equipe que a equipe está segura para a tomada de risco interpessoal em um ambiente de confiança e respeito mútuo.”


Quando volto e penso na minha filha, em algum momento, ela pôde se expressar e sentir que sendo ela mesma, haveria espaço seguro para ela tomar riscos interpessoais.


No ambiente corporativo, alguns exemplos destes riscos são:


  • Pedir ajuda;

  • Falar que não sabe;

  • Pedir um tempo para pensar;

  • Compartilhar sentimentos;

  • Compartilhar ideias incompletas etc.


Situações que expõem, de certa forma, uma fragilidade que o mundo organizacional tenta acobertar com perfeccionismo, curvas forçadas de desempenho, tentativas de encaixar indivíduos em moldes que não cabem para todos. Inevitavelmente, alguém será excluído em um lugar onde as práticas de gestão são reforçadas por modelos em que o erro¹ não é uma tentativa de acerto, mas um ato a ser punido.


Quando o tema de Segurança Psicológica ganha destaque, especialmente durante a pandemia, nos confrontamos com nossa fragilidade humana. Reconhecemos que somos seres imperfeitos e errantes, com desejos ambíguos e, acima de tudo, confrontamos a realidade de nossa finitude.


Em um cenário onde as incertezas são a única constante, a segurança psicológica torna-se um elemento vital para as organizações. Ela não apenas acalma as ansiedades diante do desconhecido, mas também estimula a coragem para explorar novas ideias, assumir riscos e adaptar-se às mudanças.

A Segurança Psicológica tem se mostrado um pilar essencial para a criação de uma cultura organizacional onde a inovação e o aprendizado florescem. Mais do que isso, ela se apresenta como um alicerce para a saúde mental, criando um espaço onde o medo do julgamento é substituído pela coragem de se expressar de maneira autêntica.


Exemplificando: imagine um ambiente onde os erros são vistos como oportunidades de aprendizado e não como falhas a serem penalizadas. Aqui, a ansiedade dá lugar à curiosidade, e o estresse ao entusiasmo pela descoberta e pelo crescimento conjunto.


Na prática é só pensar nessa frase de Edmund Burke “Nenhuma paixão rouba os poderes de ação e raciocínio da mente com tanta eficácia quanto o medo.”


O medo sequestra nosso raciocínio, e com isso, tendemos a errar mais! Que paradoxo para aqueles que possuem a crença que a gestão pelo medo e uma liderança autoritária criam ambientes eficazes.


Edmondson nos mostra que equipes que se sentem seguras para arriscar, aprender e inovar juntas são aquelas que realmente prosperam através de resultados sustentáveis. A autora propõe alguns pilares para o desenvolvimento de um ambiente psicologicamente seguro:

De maneira geral, são discutidas a reação da organização ao erro; o espaço para questionar; como a diversidade de ideias é acolhida; como os riscos interpessoais são vistos; a abertura para pedir ajuda; se na crise o apoio é mútuo; e por fim, a disponibilidade para o feedback construtivo e apreciativo.


Aqui a confiança é a semente que, se plantada no solo fértil da segurança psicológica, dá espaço para o desenvolvimento dos pilares acima. Gerando aprendizado e performance, entendendo performance ou desempenho como um espaço de realização e crescimento profissional.


Outro autor que traz a evolução organizacional através da Segurança Psicológica é Timothy Clark, ele nos oferece um mapa para cultivar a Segurança Psicológica, desde garantir que todos se sintam incluídos até encorajar a inovação e o desafio ao status quo. Cada etapa é um degrau que eleva a organização, transformando os ambientes de trabalho em espaços de verdadeira colaboração e criatividade.


Para este autor, os eixos de permissão e respeito são centrais para um equilíbrio no papel da liderança, o cuidado é que o ambiente não se torne muito permissivo ou paternalista, ou então, autoritário em um nível que explore e assedie o indivíduo.



A estrutura de segurança psicológica proposta por Timothy Clark não apenas fomenta a inovação através do desafio e a inclusão por meio do senso de pertencimento, mas também se revela uma poderosa ferramenta na prevenção de problemas de saúde mental. 


Afinal, as pessoas se sentem parte de algo maior, são ouvidas, percebem seu progresso e são estimuladas a alcançar o seu melhor. A chave primordial reside na comunicação cuidadosa e honesta, estabelecida em um ambiente onde o feedback é não apenas encorajado, mas valorizado, e onde os desafios são encarados como oportunidades de crescimento.

Nesse contexto, os indivíduos podem contar uns com os outros, o que, por sua vez, ajuda a mitigar o temor do erro, uma vez que este é discutido abertamente visando à geração de aprendizado.


A tarefa primordial do líder é aumentar, simultaneamente, o atrito intelectual e diminuir o atrito social. Para isso, a cultura do diálogo é fundamental para que haja um ambiente seguro!


Afinal, por que isso importa?


Uma cultura que silencia as pessoas é uma cultura perigosa!


É uma cultura que traz riscos operacionais, para o negócio, tem alto custo financeiro, mina a estima, a potencialidade e a capacidade de realização dos colaboradores. As melhorias não são apresentadas e a empresa se mantém em um eterno status quo.


Peter Senge nos lembra que O futuro das organizações - e nações - dependerá cada vez mais de sua capacidade de aprender coletivamente e que organizações aprendem apenas através de indivíduos que aprendem.”


Senge nos leva um passo adiante, convidando-nos a ver as organizações como entidades em constante aprendizado. Suas ideias sobre organizações como espaços de aprendizagem ressoam a importância de cultivar um ambiente onde a curiosidade é incentivada e o crescimento pessoal e coletivo é a norma.


Imagine aplicar isso no nosso dia a dia corporativo: uma transformação não só na forma como trabalhamos, mas no próprio tecido da cultura organizacional e social.


No coração de todos esses conceitos está a crença de que, para que as empresas não só sobrevivam, mas prosperem, elas precisam de seres humanos que se sintam seguros, valorizados e conectados. Tirar o indivíduo do anonimato, dar espaço para a luz e o florescimento.


Ao fomentar a segurança psicológica, estamos não apenas melhorando o bem-estar dos times; estamos pavimentando o caminho de aprendizado, de educação, humildade, de capacidade analítica e autorresponsabilidade.


Este é o caminho que espero que a nova escola da minha filha, com todos os papéis e assistências necessárias, pavimente para que ela nunca se sinta uma ilha, que ela encontre o continente descrito pelo psicanalista Wilfred Bion, como um espaço onde ela consiga ao longo da vida e das relações desenvolver a capacidade de tolerar, conter e processar experiências emocionais intensas. Que apesar dos oceanos turbulentos de pensamentos, sentimentos e impulsos exista um espaço de terra para onde ela possa voltar, atracar e esperar calmamente a tempestade passar.

¹ a palavra erro no texto, tem a conotação do erro honesto, parte de um processo de aprendizagem. Existem erros que, se não tratados por gestão de consequências e políticas internas da organização, podem colocar pessoas e negócios em risco.

Referências Bibliográficas:

Clark, T. (2020). As 4 Etapas da Segurança Psicológica: Definindo o Caminho para a Inclusão e a Inovação.

Edmondson, A. (2019). A Organização Sem Medo: Criando Segurança Psicológica no Local de Trabalho para Aprendizado, Inovação e Crescimento.

Senge, P. M. (2006). A Quinta Disciplina: A Arte e a Prática da Organização que Aprende.

Vygotsky, L. (1978). Pensamento e Linguagem. Martins Fontes.


Michele Crevelaro

Psicóloga, Coach ACC e Facilitadora de diálogos

Na busca contínua por um viver coerente.

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