top of page
Foto do escritorMichele Crevelaro

Infoxication: O Excesso de Informações e Seus Impactos na Saúde Mental

"Não é a carga que te destrói, é a forma como você a carrega."

Epicteto




Imagem mostra uma mulher trabalhando com seu notebook e várias pessoas a incomodando com outras demandas e telas, demonstrando o excesso de informações que estamos vivendo (infoxication)



Infoxication: O Excesso de Informações e Seus Impactos na Saúde Mental ( e na tomada de decisões)


Sabemos que o conhecimento é uma moeda valiosa na sociedade, mas será que toda a informação que acessamos se torna conhecimento?


Em um mundo repleto de escolhas e informações, a mente humana se vê diante de um paradoxo: quanto mais opções temos, mais difícil tomar uma decisão e isso se torna uma fonte de sobrecarga mental contínua.


E parece que nada cabe no tempo que temos, não é mesmo?


A sensação de que os dias correm, as semanas estão cada vez mais curtas, os anos passando cada vez mais rápido. Aceleramos o áudio das pessoas, os vídeos que assistimos, ficamos na frente do streaming sem saber que série ou filme assistir.


A exaustão pelo excesso nos leva a dificuldade em saber priorizar e, principalmente, o que renunciar.

A incapacidade de processar todas as informações adequadamente pode causar estresse, ansiedade e a problemas de concentração. Estamos cada vez mais vorazes. Queremos saber sobre tudo, como o título do filme dos Daniels ganhador do Oscar de 2023, queremos: Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo.


Lev Vygotsky, psicólogo russo, desenvolveu a teoria sócio-interacionista, a qual destaca a importância das interações sociais no desenvolvimento cognitivo. Para ele, o processo de aprendizagem ocorre pela linguagem, simbolização e imaginação e, sem troca entre humanos, não há aprendizado e memorização.


Logo, o que consumimos não vira conhecimento imediatamente, muita coisa não entra na esteira do processamento.

Nossa memória é dividida em curto e longo prazo, com a dificuldade de processamento informacional, temos a sensação de estarmos esquecendo tudo, sensações de branco na mente ou achar que já viu aquilo, mas não sabe onde.


Na prática, o que acontece, é que não criamos espaços adequados para reter um estímulo, colocá-lo em uma linguagem verbal ou não verbal, simbolizar ou conectar com um conhecimento prévio e então imaginar ou abstrair para dar significado.


O risco é que coisas relevantes, podem ser deixadas de lado e não processadas pela sobrecarga de informações. A nossa memória é um recurso afetivo do nosso cérebro e se dá através da percepção emocional. Acelerando tudo, a emoção predominante acaba sendo a ansiedade.


“O verdadeiro aprendizado ocorre quando se é capaz de transferir o que aprendeu em um contexto para outro contexto diferente.”

Lev Vygotsky


Neste mar de ansiedade, somos levados pelo medo ou pela busca pela satisfação? 


A forma como lidamos com o excesso de informação pode ter dois gatilhos principais, conhecidos pelos acrônimos FOMO e JOMO.


  • O Fear of Missing Out (FOMO) ou "medo de ficar de fora", pode ser entendido como uma resposta cognitiva e emocional desencadeada por pensamentos automáticos de exclusão ou comparação social negativa. O que vão achar se eu não souber sobre isso? E seu eu ficar de fora? Esse padrão de pensamento, por exemplo, pode gerar comportamentos de verificação compulsiva das redes sociais e exacerbar sentimentos de ansiedade e insatisfação.

  • Em contrapartida, o Joy of Missing Out (JOMO), ou "alegria de ficar de fora", reflete uma reestruturação cognitiva onde o indivíduo adota uma postura de aceitação e valorização do momento presente. Compreendendo que renúncias serão feitas e que não dá para ter ou saber tudo. Encara as próprias limitações e as humaniza. A prática do JOMO se dá por algo que precisamos praticar, que nos coloca em relação a uma gama ampla de informações: a capacidade de DISCERNIMENTO.


No Oráculo do Pão, que é um conjunto de cartas com virtudes humanas, a palavra discernimento vem com essa descrição: “entender e aceitar o que nos é verdadeiro e necessário aqui e agora, sabendo dar direção ao que não nos cabe neste momento. Perceber. Intuir. Filtrar. Separar o joio do trigo. Entender o que nos fala nossa alma.”


Perceber-Intuir-Filtrar


Na avalanche da sensação de estar sempre “ligado”, fragilizamos a capacidade de discernir e nos colocamos em um estado de vigília constante.


Em 1996, o físico espanhol Alfons Cornellá cunha o termo infoxicação, uma junção das palavras "informação" e "intoxicação".

O infoxication está intrinsicamente ligado ao advento da hiperconexão e da vida wireless, a qual, resulta em um estado de constante conexão e exposição a um grande volume de informações diárias, como notícias, mensagens, e notificações, por meio de dispositivos como smartphones, computadores e outros meios digitais.


No entanto, devido ao volume excessivo dessas informações, torna-se impraticável para uma pessoa dedicar tempo e atenção adequados a todas elas, resultando em uma sobrecarga de informações e, muitas vezes, em superficialidade na compreensão e processamento delas.



Pirâmide de Maslow atualziada para os nossos tempos com Wi-Fi e bateria. Conseguimos viver sem tecnologia?
Brincadeira com a Pirâmide de Maslow atualizada com as necessidades dos nossos tempos: Wi-fi e Bateria


A síndrome da fadiga informativa é o nome do conjunto de sinais que o neuropsicólogo David Lewis descreve a sobrecarga cognitiva, resultando em "paralisia de análise" na tomada de decisões.


Vamos a um exemplo:

Imagine-se em um restaurante com um menu extenso, repleto de opções.


Embora a diversidade pareça atrativa, a multiplicidade de escolhas pode se transformar em uma fonte de angústia.


O cérebro, diante de tantas possibilidades, pode entrar em um estado de paralisia decisional, onde a escolha mais simples se torna um fardo.


No caso da comida, temos um limite biológico. Se comemos em excesso, ficamos com a digestão lenta, uma sensação de empachamento, às vezes até com enjoo.


Já na esfera mental, acreditamos que não há limite, que podemos consumir o feed das redes sociais indiscriminadamente ou engatar uma tela na outra sem descanso. Essa analogia reflete como o excesso de informações desafia nosso estado psicológico. 

Não perceber os limites mentais, pode nos levar a comportamentos de compulsão, procrastinação e dificuldade em perceber a satisfação corporal.


O impacto das distrações digitais são sintomas de uma sociedade sobrecarregada e desconectada das próprias necessidades.


Em um mundo onde o acesso à informação está literalmente à ponta dos dedos, muitas pessoas desenvolvem uma compulsão por buscar cada vez mais dados, na tentativa de resolver questões ou entender melhor um tema.


Este comportamento em excesso é uma forma desadaptada de tentar lidar com a incerteza, o medo, os julgamentos e as comparações sociais, levando a uma sensação constante de insatisfação e ansiedade. A sensação de não saber ou não ser bom o suficiente toma conta da mente.


A procrastinação se dá pela paralisia da análise. Isso pode ocorrer quando nos deparamos com uma grande quantidade de dados e começamos a ter pensamentos automáticos como "Nunca vou conseguir tomar a decisão certa" ou "Preciso saber tudo antes de fazer qualquer coisa".


Esses pensamentos geram sentimentos de ansiedade ou medo e, que fazem a pessoa acreditar que, adiando as decisões, evitamos um possível erro. Muitas vezes, isso parece de maneira imperceptível ou inconsciente.


A imersão constante em distrações digitais afeta nossa capacidade de perceber o que realmente importa.

Estudos mostram que 7 em cada 10 crianças se alimentam em frente a aparelhos eletrônicos. Esse comportamento interfere na percepção do alimento e do próprio corpo, criando dificuldades em entender o que é satisfação e resultando em problemas como a alimentação desatenta e desregulada.


Estar fisicamente presente com alguém não é o mesmo que estar emocionalmente conectado, e as interações digitais frequentemente substituem a conexão humana genuína, enfraquecendo os laços sociais e emocionais.


Um exemplo prático disso é a quantidade de crianças que estão em situação social, como em um restaurante, e estão em conexão paralela no mundo digital.



Foto mostra criança assistindo no celular enquanto come. O impacto do excesso de informação e de não estar presente no momento, prestando atenção em sua comida

De acordo com Daniel Goleman, “a vida imersa em distrações digitais cria uma quase constante sobrecarga cognitiva. E essa sobrecarga mina o autocontrole”.


A constante exposição a informações e estímulos digitais consome nossa capacidade de foco e autocontrole, fazendo com que nos tornemos mais suscetíveis a comportamentos impulsivos, agressivos e menos capazes de tomar decisões ponderadas.

Quem já não perdeu o entendimento de uma conversa porque não estava conectado com o outro?


Diferente das máquinas e computadores, que seguem uma lógica binária e determinística, os seres humanos tomam decisões baseadas em uma complexa combinação de lógica, intuição e experiência subjetiva.


Não pensamos naturalmente em termos binários; nossa lógica é entrelaçada com nuances emocionais e contextuais. Isso significa que, enquanto as máquinas podem processar dados de forma rápida e eficiente, a decisão humana é influenciada por fatores que vão além da mera informação.


A tomada de decisão humana é rica em subjetividade e está profundamente conectada ao contexto em que ocorre, aos afetos e às emoções.

É importante lembrarmos que vivemos em uma sociedade contemporânea que valoriza a superprodutividade através do consumo, inclusive de informação, traçando uma constante busca por mais.


A lista de músicas do Spotify é infinita, o feed das redes sociais também, o volume de dados (Big Data) criados diariamente não param nunca e eles refletem as opiniões, relações e tendências de cada indivíduo e, também, da sociedade como um todo. 


De acordo com o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, vivemos na Sociedade do Cansaço, onde a pressão para estar sempre atualizado e informado leva ao esgotamento físico e mental.


Essa superprodutividade, em sua essência, é uma tentativa de preencher um vazio de ordem existencial, que se reflete em um sentimento de falta constante. Uma sensação de não caber no mundo e mundo não caber em nós.


O termo resiliência aparece, muitas vezes, como uma forma de lidar com a sobrecarga e traz um conceito distorcido e que cobra de nós suportar cada vez, mas a resiliência não é sobre o quanto você aguenta.


Zygmunt Bauman, em seu conceito de Vida Líquida, argumenta que a fluidez da modernidade nos leva a acreditar que tudo é descartável. Essa transitoriedade cria um ciclo de consumo rápido e superficial.


Os aplicativos de relacionamento são um exemplo disso, onde o cardápio de pessoas está à disposição e o descarte está na distância de um clique.


Para mitigar esses efeitos, é crucial desenvolver práticas de autoconhecimento, que passam pelo autocuidado que incluem a limitação consciente do consumo de informação e a promoção de conexões humanas genuínas.

Talvez, tenhamos que voltar aos gregos e nos depararmos frente ao pórtico do templo de Apolo, em Delfos, com a frase: Conhece-te a ti mesmo. 


Se você chegou até aqui, é porque o caminho do autoconhecimento está vivo.


O mundo não vai mudar! As informações serão cada vez mais rápidas, descartáveis e em grande volume.


Cansou só de pensar? Precisamos de um descanso.


As máquinas têm paradas programadas para manutenção, nossa mente também precisa.


Saundra Dalton-Smith, médica pesquisadora, oferece uma perspectiva valiosa com seus tipos de descanso ou como o título de seu livro coloca, o descanso é algo sagrado.


Ela identifica que o descanso não é apenas físico, mas pode ser emocional, mental, social, sensorial, criativo e espiritual.


Ao reconhecer as diferentes formas de cansaço, podemos buscar um balanceamento que não apenas alivia a sobrecarga informacional, mas também restaura nosso bem-estar geral.

Segundo Dalton-Smith, há 7 tipos de descanso:


  • Descanso Mental: Envolve dar um descanso à mente das tarefas cognitivas e do estresse mental. Isso pode ser alcançado fazendo pequenas pausas durante o dia, praticando meditação ou fazendo exercícios de respiração.


  • Descanso Espiritual: Focado em encontrar um sentido mais profundo e um propósito na vida. Pode ser alcançado através da meditação, oração, participação em atividades comunitárias ou simplesmente passando tempo em reflexão.


  • Descanso Emocional: É necessário para lidar com as emoções acumuladas e as cargas emocionais. Conversar com alguém de confiança, escrever um diário ou simplesmente permitir-se sentir as emoções sem julgá-las pode proporcionar descanso emocional.


  • Descanso Social: Implica avaliar as relações ao seu redor e garantir que você esteja cercado de pessoas que te apoiam e te revitalizam. Às vezes, é necessário se distanciar de relações que são exaustivas.


  • Descanso Sensorial: Consiste em reduzir a sobrecarga sensorial causada por telas, luzes brilhantes e ruídos constantes. Desconectar dispositivos, passar tempo na natureza ou em um ambiente tranquilo pode ajudar a conseguir esse tipo de descanso.


  • Descanso Criativo: Refere-se à necessidade de se inspirar e recarregar a criatividade. Passar tempo na natureza, visitar museus ou simplesmente permitir-se sonhar acordado e explorar novas ideias pode ser muito revitalizante.


  • Descanso Físico: Pode ser passivo (dormir ou tirar sonecas) ou ativo (praticar ioga, alongamentos, massagens). É fundamental para recuperar a energia física e aliviar o cansaço corporal.


Em tempos em que a infoxicação ameaça nossa sanidade, é vital retornar a um estado de equilíbrio e consciência.


Ao questionarmos e refletirmos sobre nossas escolhas e comportamentos, podemos encontrar formas de navegar por essa complexidade. Como disse Sócrates: "Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida." Refletir sobre como e o que consumimos, sejam informações ou escolhas, é o primeiro passo para nos conectarmos de maneira mais significativa.

 


Michele Crevelaro


Psicóloga e Facilitadora de diálogos


Na busca contínua por um viver coerente.




Referências Bibliográficas:

Bauman, Z. (2000). Modernidade Líquida. Polity Press.

Goleman, D. (1995). Inteligência Emocional. Bantam Books.

Han, B.-C. (2015). Sociedade do Cansaço. Stanford University Press.

Smith, S. D. (2017). Sacred Rest: Recover Your Life, Renew Your Energy, Restore Your Sanity. FaithWords.

241 visualizações0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo

Bình luận

Đã xếp hạng 0/5 sao.
Chưa có xếp hạng

Thêm điểm xếp hạng
bottom of page