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  • Foto do escritorMichele Crevelaro

Afinal, o que é estar na média?

Atualizado: 8 de abr.

"Na média e seus (re) significados" foi o tema do dossiê da Revista Coaching Brasil publicada em março de 2023. Esse dossiê foi coordenado pela Eighter Michele Crevelaro e apresenta um olhar para o indivíduo, para a organização e para a sociedade, reunindo diferentes formas de escrita e reflexões acerca do que é estar na média.


“O convite para que um de nós da Eight coordenássemos este dossiê veio em um momento de reflexão da nossa rede sobre a nossa essência e o que ofertamos para o mundo. Assim, a conexão com a temática foi imediata e nos reunimos para pensarmos juntos quais os assuntos que caberiam neste material.”, explica Michele na apresentação do dossiê.

A essência desse dossiê é provocativa e traz uma reflexão importante sobre a pressão por produtividade e resultados nas empresas, que é cada vez maior e continuará sendo. E, em contrapartida, um mundo pós pandêmico com o questionamento de que até que ponto é saudável viver essa sociedade do cansaço.


Também participam desta edição os Eighters Christine Bona, Fernanda Abrantes, Magali Lopes, Renato Santos e Roberto Rotenberg. Além da participação mais que especial da nossa parceira Ana Paula Coscrato dos Santos. Um dossiê completamente pensado pela Eight∞ 💜💛


O dossiê e a revista na íntegra ficam disponíveis apenas para assinantes da Revista, coordenada por Luciano Lannes, a quem agradecemos imensamento pelo convite. A partir de hoje, postaremos separadamente alguns dos artigos publicados no dossiê, começando pelo artigo "Afinal, o que é estar na média?", escrito por Michele. Confira!



Foto de um copo meio cheio como uma metáfora sobre estar na média


“Que é que destrói mais rapidamente do que trabalhar, pensar, sentir, sem uma necessidade interior, sem uma escolha profundamente pessoal, sem prazer?”

Friedrich Nietzsche



Quando pensei sobre a escrita deste artigo, a primeira coisa que veio à minha mente foi o significado que atribuo a palavra "média".


A minha primeira memória de quando eu dei atenção ao significado desta palavra, foi com um professor da faculdade, que esbravejou logo no início do ano, que quem tivesse uma performance média em sua matéria, seria considerado por ele um medíocre.


A associação entre estar na média e ser considerada uma pessoa medíocre me acompanhou por muitos e muitos anos, inclusive ao longo da minha carreira corporativa, lugar este que não só me acompanhou, mas por vezes reforçou a fala deste meu professor.

Afinal ninguém quer ser medíocre, esta palavra tem um peso muito grande, mas um rótulo maior ainda.

Porém, foi na faculdade que também descobri que uma palavra pode ter muitos significados, explícitos e implícitos, dependendo de um contexto. Logo, a relação entre médio e medíocre era só uma entre muitas possibilidades.


Entender a origem e aplicação de uma determinada palavra em um contexto nos fornece informações valiosas sobre a história, a cultura, a intenção, o ambiente e como as relações são estabelecidas, inclusive as de poder.


Na etimologia, a palavra “média” tem origem no latim “media” ou “medius” e seu significado está atribuído a “meio” ou “intermédio”. De maneira geral, é utilizado para descrever aquilo que está no meio, no centro ou no intermédio entre um ponto e outro.

Em sua utilização mais frequente, a palavra média é empregada no campo estatístico para descrever a tendência ou a distribuição de dados, traçando a compreensão geral de uma massa de informações sobre o comportamento de uma determinada amostra.


Assim, a associação da palavra média com um resultado medíocre é uma adaptação para designar uma expressão social que descreve a performance esperada dos indivíduos em determinado contexto histórico e do tipo de relação que se quer estabelecer.


A média é uma medida e é uma medida social, que muitas vezes exclui.

Geralmente as pessoas não querem estar na média. Ainda vivemos, de certo modo, em uma cultura de valorização do sucesso e da realização individual. Se estou na média, há uma crença que não me destaco, não sou reconhecido, não sou visto.


Além disso, a média pode ser percebida como algo “comum” e isso faz as pessoas buscarem por diferenciação, ser o cobiçado ponto fora da média.


Mas o quanto é sustentável buscar essa medida “extra” ao “ordinário”?


Byung-Chul Han, traz uma passagem que elucida a associação do rendimento individual com a sensação de fracasso, “quem fracassa na sociedade neoliberal do rendimento se acha responsável por isso e se envergonha, em vez de questionar a sociedade ou o sistema. É nisso que consiste a especial inteligência do regime neoliberal. (…) No regime neoliberal da autoexploração, a pessoa direciona a agressão a si mesma. Essa autoagressividade não transforma o explorado em revolucionário, mas em depressivo”.


Uma reflexão é válida neste momento. As dinâmicas que são estabelecidas na nossa sociedade, a partir de um entendimento de que estar acima da média é o padrão social esperado, só tem seu impacto compreendido depois de algum tempo.


Isto, pois a prática e o ganho de consciência sobre a implicação desta atitude possuem tempos distintos. Um bom exemplo é a compreensão sobre a abrangência dos impactos da pandemia na sociedade, que é limitada pelo fator tempo, ainda são necessárias décadas para um entendimento mais vasto sobre o que experienciamos.


Neste eixo do tempo, se antes vivíamos a sociedade disciplinar, colocada por Michel Focault que se baseava na imposição de normas e regras para controle social, a contemporânea sociedade do cansaço do filósofo Byung-Chul Han se caracteriza pela liberdade de escolha e pela multiplicidade de opções disponíveis.


A visão de que o indivíduo é o único responsável pelo seu próprio sucesso nos faz lembrar de célebres frases como:


  • “trabalhe enquanto eles dormem”

  • “faça mais com menos”

  • “tudo é possível, basta se esforçar”

No entanto, essa ideia de liberdade é acompanhada pela pressão constante de ser mais produtivo e eficiente. Isso se reflete na necessidade interminável de estar acima da média, buscando o destaque pela autoexploração, o que pode levar ao estresse e à exaustão.

Estamos EXAUSTOS!


A exaustão é o principal sintoma da dinâmica das relações adoecidas no ambiente de trabalho. Este adoecimento começou a ser pavimentado no século passado, mas que só foi possível compreender o impacto após décadas de construção de uma mentalidade individualista de alta performance.


Não à toa, mais recentemente, palavras como vulnerabilidade, empatia, cuidado, colaboração começaram a ganhar espaço nas conversas organizacionais.


Se a média, em seu significado, é um intermédio entre um ponto e outro, talvez seja neste lugar que estamos agora: buscando o equilíbrio para olhar para o nosso desenvolvimento e a busca de relações mais saudáveis.

Enfim, o quanto pode ser libertador ser o suficiente, não é mesmo?


Já dizia Carl Rogers “sinto-me mais feliz simplesmente por ser eu mesmo e deixar os outros serem eles mesmos.”


Quando falamos sobre ganho de consciência, falamos também sobre ganho de limites e contornos. Falamos sobre admitir erros e reconhecer falhas, mas acima de tudo nos reconhecermos HUMANOS.


Somos frágeis e limitados. Ganhamos força e potência na relação com o outro e não no individualismo. Sendo que a autenticidade é fundamental para a construção de relações de confiança e respeito mútuo.


A visão da abordagem centrada na pessoa de Rogers também acredita que todo ser humano possui um potencial inato para a autorrealização e o crescimento pessoal. Naturalmente, temos em cada um de nós, um impulso para o autodesenvolvimento. A cooperação é chave neste processo.


Logo, um ambiente que desenvolve o potencial humano é aquele com menos comparação e mais cooperação!

Espero, após todas essas reflexões, que a sua média seja a busca por uma vida mais autêntica e coerente, e com relações que ajudem a florescer o melhor que há em você.


PS: Ah, e se hoje eu encontrasse o meu professor, diria que medíocre é o olhar limitado para o potencial humano. Podemos muitas coisas juntos!


Bibliografia:

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.

ROGERS, Carl R.. Tornar-se pessoa.São Paulo: Martins Fontes, 1997.



Michele Crevelaro

Psicóloga, Coach ACC e Facilitadora de diálogos

Na busca contínua por um viver coerente.

michele@8dialogos.com.br



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