"Em última análise, não há partes em tudo. O que chamamos de parte é meramente um padrão em uma teia inseparável de relacionamentos."
Frijot Capra
“As nuvens ficam pesadas, o céu escurece, as folhas giram no chão: sabemos que vai chover. Sabemos também que, depois da tempestade, a água da chuva alimentará os lençóis, a quilômetros de distância, e que pela manhã o céu estará claro outra vez. Todos esses eventos estão distantes no tempo e no espaço, mas eles estão conectados em um mesmo padrão. Um tem influência sobre o outro, uma influência que, em geral, não é aparente. Só poderemos entender o sistema de uma tempestade contemplando o todo não uma parte individual do padrão”, é assim que Peter Senge começa a explicar o que é o pensamento sistêmico em seu livro, "A Quinta Disciplina".
Mas o que é pensamento sistêmico?
Segundo Senge, é um quadro de referência conceitual, um conjunto de conhecimentos e ferramentas desenvolvido ao longo do tempo. Podemos também dizer que o pensamento sistêmico é a busca de entender o funcionamento de sistemas como um todo, envolve ter a visão holística dos processos.
É o pensamento sistêmico que nos permite ter uma visão global, sem distinção de cada parte ou de cada processo individualmente. Sua raiz está na ideia de que cada parte do sistema influencia o todo.
Interpretar a realidade de forma sistêmica é enxergar círculos de influência, e não de linhas retas. Traçando os fluxos de influência, ficam claros os padrões que se repetem continuamente, melhorando ou piorando as situações.
Quanto mais comum é um processo, mais o vemos de forma linear. Processos do dia a dia acabam sendo incorporados e dificilmente paramos para pensar nas atividades que realizamos com frequência, nem analisar as etapas que o antecedem.
Da mesma forma que acontece com todas as manifestações da Natureza, os sistemas na organização se manifestam através de arquétipos, Senge descreve em seu livro vários arquétipos de sistema, suas estruturas, quais são os sinais de advertência com exemplos organizacionais dessas manifestações (A Quinta Disciplina, Apêndice 2).
O fato é que, de maneira simples e sutil, podemos ver os “padrões” acontecendo, às vezes até temos aquela sensação de “dèjà vu”, a impressão que já vimos desse padrão antes e pensamos “já está acontecendo aquilo de novo”. Basta estarmos atentos ao sistema.
Quando conseguimos perceber a atuação desses arquétipos, conseguimos antecipar movimentos e muitas vezes evitar retrabalhos.
A visão sistêmica também é abordada arquetipicamente pela Antroposofia quando olhamos para os sistemas através da Corrente da Integração que traz as soluções para as necessidades mais atuais do mundo em que vivemos.
Essa corrente é consistente com uma sabedoria antiga que diz que “só pode ser integrado aquilo que for devidamente separado”, ou seja, para entender o todo precisamos entender as partes, do macro ao micro e vice-versa, como num fractal.
Dessa forma, adotar a visão sistêmica é a arte de ver a floresta e as árvores – ou seja, ter a possibilidade de distinguir as mudanças de alta alavancagem e as de baixa alavancagem, sem ignorar a complexidade do ambiente. É quando levamos o todo em consideração. É ver além de “muitas árvores juntas” e não se concentrar em apenas uma ou duas que achamos mais bonitas ou que merecem os esforços de mudança.
Quais são as principais características do pensamento sistêmico?
Segundo Frijot Capra existem algumas características que “movimentam” o nosso pensamento para a visão sistêmica, algumas delas são:
Mudança da perspectiva de partes para o todo: para enxergarmos o todo, precisamos conhecê-lo em partes, mas as propriedades sistêmicas são destruídas quando dissecamos o sistema em partes.
Ir das pessoas para os relacionamentos: é preciso olhar para cada um de forma isolada e então compreender que todos fazem parte de uma rede interconectada de relações. As atitudes devem ser orientadas para trabalhar pelas pessoas em todas as direções, sendo sensível às relações na escolha das estratégias.
Sair da estrutura para o ver o processo: é preciso focar nos processos a fim de entender as estruturas que o sustentam.
Enxergar a multidisciplinaridade inerente a todos: olhar para os fenômenos de forma ampla, o que acontece no ecossistema da família pode se repetir na organização, na comunidade.
Ir da certeza cartesiana ao conhecimento aproximado: reconhecermos que lidamos sempre com um conhecimento limitado e aproximado: como tudo se interrelaciona numa teia infinita de fenômenos interconectados, não é possível trabalhar com a certeza do conhecimento.
Como podemos exercitar o pensamento sistêmico?
A mandala do pensamento sistêmico nos ajuda a visualizar uma questão a partir dessa abordagem:
Precisamos estar conscientes destes 8 pilares e da necessidade de treinar o movimento de pensar amplificado:
1. Pensamento circular X Pensamento linear: todas as ações levam a consequências, ampliar o pensamento para além do resultado. Assim, quando fazemos uma campanha com um objetivo X, ao alcançar aquele objetivo outros pontos do contexto também mudarão. É preciso se antecipar.
2. Complexidade dinâmica X Complexidade de detalhes: A falta de visão sistêmica pode levar as pessoas a se prenderem a detalhes que, na verdade, são irrelevantes em relação ao todo, porque se modificam a cada instante uma vez que estão sendo influenciadas também por outras microações. É preciso enxergar a dinâmica (ou o arquétipo) que está por trás da complexidade.
3. Percepção de que a estrutura influencia o pensamento x Reação aos eventos: analisar onde e como um evento pode influenciar as outras áreas, compartilhar a visão antes de reagir rapidamente a uma questão.
4. Se perceber como agente causador dos próprios problemas X procurar por culpados: aqui estamos falando de autorresponsabilidade, olhar para o nosso papel dentro daquele contexto e entender que muitos dos desafios estão relacionados à nossa ação ou inação.
5. Percepção da dinâmica resistente do sistema X Foco no resultado: ao focar apenas no resultado, você pode deixar de perceber o esforço ou a resistência que o sistema está gerando. É preciso levar em conta as reações ou entraves que as ações tomadas para se chegar a um determinado resultado podem gerar em outros departamentos ou mesmo colaboradores da empresa. É preciso acompanhar a jornada e perceber os movimentos.
6. Atuação nas causas e nos pontos de alavancagem X Atuação nos efeitos: olhar para o que pode estar causando aquela situação e não partir direto para a correção dos efeitos.
7. Interligação dos eventos X Eventos isolados: avaliar qual impacto a ação ou evento tem nas demais áreas, uma ação em seu departamento sempre terá consequências em outros setores da empresa. Comunicar e compartilhar antecipadamente todos que serão afetados e buscar soluções conjuntas para os eventos.
8. Visão holística X Visão fragmentada: é lembrar sempre que a tendência da Natureza é a de formar qualquer todo maior que suas partes. Buscar quais partes compõem o todo.
Perguntas para se tornar um “pensador” sistêmico
As perguntas são uma poderosa ferramenta para exercitar o pensamento sistêmico. Então, quando você estiver pensando numa ação (ou numa reação) que está prestes a tomar, pergunta-se:
O que será afetado com isto? Qual é o resultado da minha ação?
Esse acontecimento me é familiar, faz parte de um padrão de outros acontecimentos similares?
Qual é a causa destes acontecimentos? Há algo que possa ser mudado nessa estrutura?
Se eu mudar algo, é provável que esse evento aconteça de novo?
O que aconteceu no passado que está influenciando esta situação (segundo a minha perspectiva e a perspectiva do outro)?
Se tomo essa ação o que se passará depois? E depois? Estou satisfeito com essas consequências?
Quais outras estratégias existem para essa situação e quais as implicações de cada uma?
Como eu faço parte desse sistema? Estou contribuindo de forma positiva ou negativa?
O que eu posso fazer para fortalecer o sistema?
Pensando sistemicamente conseguimos perceber que somos parte de vários todos, de vários sistemas inter-relacionados. Isto permite melhorar nosso desempenho como líderes, tomar decisões mais consistentes e conscientes, gerenciar com maior efetividade.
Christine Bona: PCC (Professional Certified Coach) | Membro da Eight | Formadora de Facilitadores em Codesenvolvimento | Co-fundadora da Rede Codesenvolvimento Brasil. Buscando sempre o novo para apoiar pessoas na descoberta e construção do caminho em direção ao seu propósito. Acredita que parcerias são as melhores formas de relacionamento.
Bibliografia
Capra, F. (2012). A Teia da Vida: Uma Nova Compreensão Científica Dos Sistemas Vivos. Cultrix.
Capra, F., & Luisi, P. L. (2014). A Visão Sistêmica da Vida. Cultrix.
Moggi, J., & Burkhard, D. (2014). O Capital Espiritual da Empresa. São Paulo, SP, Brasil: Editora Antroposófica.
Senge, P. (1990). A Quinta Disciplina . Best Seller.
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