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A jornada da vida é feita de transições!

Atualizado: 3 de abr.

Quando o controle deixou de me controlar e dei espaço para o fluxo do não saber.

Por Michele Crevelaro

Quando comecei a pensar sobre o tema de transição, não me conectei apenas a um grande evento da minha vida, mas sim em várias mudanças, algumas de mais impacto e outros de menor, mas todas, de alguma forma, me trouxeram para o meu estado presente.

Pensando no que gostaria de compartilhar, o que veio primeiro a mente foi o significado do trabalho na minha vida.


Cresci em um ambiente em que o trabalho era um tema bem comum nas conversas familiares. A memória que tenho é dos meus pais sempre trabalhando muito, até tarde da noite, mas fazendo coisas que, no geral, os deixavam felizes. Frases como “o trabalho dignifica o homem”, “o trabalho molda o caráter”, “o trabalho é que nos torna independentes”, “é preciso estudar para ter um bom trabalho e um bom futuro” faziam parte da nossa rotina.

Essas frases tiveram um grande impacto na minha vida, tanto que aos 15 anos eu queria ser tudo isso: ser digna, ter um bom caráter, independente e com um bom futuro. A saída que vi era só uma: preciso trabalhar!

Na época fiz um esboço na minha Olivetti Lettera do que no futuro eu chamaria de currículo. O que sabia fazer aos 15 anos era dançar. Tinha começado a fazer ballet aos 3 anos e continuei até os 19. Se tinha algo que eu tinha experiência, era no ballet. Resolvi que daria aulas de ballet para crianças.


Depois de ter feito alguns exemplares do meu currículo, fui de porta em porta de escolas infantis oferecendo o que eu achava que era o meu maior talento, mas não tinha ideia nem de como começar, caso eu fosse contratada. Depois de algumas conversas, uma escola infantil, perto de casa me contratou. Fiquei muito feliz, pedi um empréstimo para um investimento inicial na minha nova carreira para a minha mãe. Comprei dois vinis: Tchaikovsky (como qualquer bailarina, adorava o Lago dos Cisnes) e um do Wagner Tiso tocando Tom Jobim (músicas um pouco mais animadas, afinal minhas alunas tinham de 3 a 5 anos de idade). Iniciei o meu trabalho, com medo, sem saber muito bem como era esse negócio de trabalhar, mas, para minha surpresa, quando estava na sala com as crianças, naturalmente, eu sabia o que fazer...


Quando ganhei meu primeiro salário, paguei o empréstimo à minha mãe, mas já o segundo salário era só meu, meu dinheiro, fruto do meu esforço. Lembro de ir até uma loja de música e comprar 3 CDs, os quais tenho até hoje. No momento de pagar, senti tudo aquilo que escrevi logo acima, mas principalmente me sentia digna e independente.


Fiquei 2 anos nesta escola e essa experiência me mostrou um pouco do meu jeito de lidar com o trabalho.


Saí desse primeiro emprego com uma certeza: Eu quero trabalhar, trabalhar é bom e me faz bem!

E assim, foi... antes de entrar para o mundo corporativo, dei aulas de inglês, fiz traduções, trabalhei como recepcionista, fui professora de educação infantil (fiz magistério). Em nenhum momento, trabalhei porque precisava financeiramente ajudar minha família, mas porque eu queria, porque eu gostava.


Sempre fui intensa e dedicada ao trabalho, cheguei a ter três empregos ao mesmo tempo e enxergava esse esforço como passageiro, pois queria juntar dinheiro para trocar meu carro.


Colocar objetivos na minha carreira me ajudou a passar pelos momentos difíceis. Olhava as situações complexas e pensava, é uma passagem, preciso aprender algo dessa situação e que isso vai me ajudar no futuro. Sofria menos!

Entrei no mundo corporativo por uma conjunção de acasos. Na época da faculdade (fiz Psicologia) fui monitora da disciplina de Avaliação Psicológica e tinha feito iniciação científica neste tema. Atuar na área organizacional nunca tinha passado pela minha cabeça, mas sempre gostei muito de pessoas e de estar em contato com gente. Assim, ao terminar a faculdade, surgiu uma oportunidade em uma consultoria de seleção de tecnologia da informação, a vaga era para psicóloga com experiência em testes e com inglês. Pronto, cumpria os dois requisitos!


A sensação que tive neste primeiro trabalho na área de RH, me lembrava muito a minha primeira experiência aos 15 anos, não tinha ideia de como começar ou como era atuar em seleção, mas quando fiz o primeiro processo de seleção, me conectei com essa atividade de uma forma muito especial e me encontrei nessa profissão.


Lembro do sentimento que tive quando fiz a primeira ligação para um candidato avisando que ele tinha sido aprovado no processo seletivo. Prestava serviços para a IBM nesta época e eu ficava tão feliz quanto o candidato, e essa felicidade em ajudar e ser parte da história de alguém, me acompanha até hoje.


Depois dessa primeira experiência, atuei em diferentes frentes de Recursos Humanos, tive experiência como especialista e generalista dessa área. Minha carreira teve o ritmo que impus a ela, era promovida rapidamente, recebia reconhecimentos e fazia tudo com muito amor e dedicação.

Eu realmente gostava do que fazia. Trabalhei em diferentes empresas e de diversos segmentos. Sempre buscava em primeiro lugar, o meu desenvolvimento, assim, se percebia que não estava aprendendo algo novo, mudava de área ou de empresa. Tinha pânico de ficar estagnada, afinal tinha colocado muitos objetivos na minha carreira e precisava cumpri-los.

O trabalho me conectou com pessoas, fiz novos amigos, conquistei independência financeira, minha primeira viagem internacional foi a trabalho e percebia os ganhos ao longo dos anos.


Entretanto, quando estava próxima dos meus 35 anos, a minha vida mudou, na verdade eu mudei. Muita coisa, dentro de mim, não cabia mais, meu casamento já não estava tão bom, eu morava no interior com a minha filha que era um bebê, mas queria voltar para São Paulo, ficar próxima da minha família e comecei a questionar não O QUÊ fazia, mas COMO fazia.

Comecei a questionar tudo o que abri mão para cumprir os objetivos que tinha imposto a mim mesma.

Na vida pessoal, resolvi me divorciar, voltei para SP. Já no trabalho, pensava que a questão estava relacionada à organização que trabalhava e não com algo mais intrínseco, ledo engano. Mudei de empresa.

Nesta nova experiência profissional, por um tempo, me senti muito satisfeita. Tinha espaço para criar e desenvolver a área de RH praticamente do zero, portanto, conseguia imprimir uma marca e um ritmo pessoal, o que me motivava bastante.


Porém, depois de um tempo, me deparei de novo com o COMO.

Gostava do que fazia, mas cada vez mais, dentro de mim, conflitos internos se estabeleciam com mais frequência e ficava mais difícil de lidar com aqueles sentimentos. Tentava evitar, mas me dava mais angústia.

Pensava, constantemente, que precisava encontrar algo que pudesse continuar a fazer o que me deixava tão feliz, mas de outra forma, me sentia presa nos padrões organizacionais. Parecia que tinha uma ampulheta dentro de mim e a areia já tinha caído quase por completo.


O medo de uma mudança inevitável começou a aparecer e isso me surpreendeu.

Afinal, medo de mudança? Sempre mudei! Fiz 12 mudanças de residência, morei em 4 cidades diferentes, me divorciei com uma filha pequena, fiz uma cirurgia ortognática que modificou, literalmente, minhas feições ...


Não me sentia bem, mas como o medo de uma mudança no trabalho poderia ser algo que me incomodava tanto?


Você lembra que no começo do texto, escrevi que gostava de colocar objetivos na minha vida? Então, tudo o que tinha planejado para minha carreira eu tinha conquistado de certa forma, mas percebi que colocar muitas metas me deixaram mais rígida sobre a visão que tinha sobre a minha carreira e isso era um obstáculo para fazer alguma mudança neste aspecto da minha vida.

Percebi que aquilo que me ajudou a chegar até aquele momento, precisava ser deixado de lado para dar lugar a algo novo e que eu não sabia onde ia dar.

Ahhh como eu gostava do controle! Ter tudo planejado, salário caindo na conta no dia certo, bônus, férias, etc.


Como, de repente, aquilo que planejei e que tinha uma certa estabilidade já não cabia mais em mim? Em quem eu estava me transformando?

Antes de assumir, por fim, que eu precisava tomar alguma ação em relação ao trabalho, entrei em uma postura defensiva e quase inconsciente, e tentei moldar o meu comportamento para aquilo que os outros queriam que eu fosse, ou melhor, a minha interpretação do que eu achava que as pessoas esperavam de mim. Na minha cabeça, a errada seria eu, de jogar tudo pra cima.


Nem preciso falar o quanto foi desastrosa essa experiência. No final daquele ano, minha equipe estava desmotivada, eu estava exausta (adoeci várias vezes ao longo deste ano), mas no fim ainda fui premiada com um bônus. Tínhamos entregado muito, um time altamente produtivo, mas tinha um rastro de mágoas e de muita dor.

Me vi tão distante de mim, não me reconhecia naquele papel, me percebia incongruente e uma tristeza me atingiu, profundamente. Gostava tanto de pessoas e magoei algumas neste período.

Foi então, que olhei de novo para dentro de mim, me conectei com a minha biografia, recuperei a figura dos meus pais e o significado do trabalho. Estava disposta a conectar todos os pontos.


Eu tenho o privilégio de ter duas pessoas que amo muito e extremamente corajosas no quesito ‘mudança no trabalho’ e me inspirei nelas.


Meu pai ficou 40 anos na mesma empresa, mas nunca na mesma área. Ele teve uma carreira ascendente e de muito sucesso. Depois da aposentadoria, que aconteceu aos 55 anos, se negou a parar de trabalhar e teve a coragem de começar em algo novo, sem nenhuma experiência prévia. Ele havia passado 4 décadas em uma metalúrgica e assumiu um desafio na área de consultoria de crédito e securitizadora.


Já a minha mãe, depois de 20 anos como empreendedora de uma clínica de terapias holísticas, precisou fechar seu espaço por uma questão de saúde. Após alguns anos de tratamento e se sentindo bem novamente, colocou para si mesma, em seu aniversário de 50 anos, 3 objetivos: fazer um curso superior, voltar a dirigir e não ter mais medo de cachorro. Pois bem, cumpriu com maestria os três. Hoje, minha mãe tem uma cachorrinha, dirige e tem estúdio de design de interiores. É fácil encontrá-la dando entrevistas, vídeos de tik tok e fazendo lives no instagram. Comunicação nunca foi um problema para ela.

Como eu deixava o medo tomar conta de mim, com dois exemplos tão fortes e autênticos na minha vida?

Primeiro, entrei em um acordo comigo. Tinha entendido que as mudanças pessoais mais profundas tinham sido feitas e agora, era hora de olhar para o trabalho.


A psicoterapia, compartilhar meus sentimentos e dores com o meu marido e com os meus amigos me encorajaram a ver que eu não tinha controle de todas as situações e muito menos das metas que tinha estabelecido pra mim quando eu tinha 20 anos.


Muita coisa tinha mudado!


Em seguida, aproveitei as mudanças estruturais que estavam sendo feitas na companhia, e fiz um acordo com a empresa, não queria mais seguir. Fiz uma transição tranquila e cada vez que eu explicava a minha saída para alguém, mais e mais ela fazia sentido pra mim.


Comecei a escutar meus desejos mais secretos e silenciosos, queria passar mais tempo com a minha filha, queria voltar a atender como psicóloga clínica, queria levar para o mundo os conhecimentos que adquiri durante a minha carreira e queria cuidar do meu novo casamento de uma outra forma, reparar erros que tinha cometido no passado com muito amor.

Aprendi que posso continuar sendo digna, independente, estudiosa e de bom caráter dando um novo significado para o meu trabalho.


Conectei os pontos da minha biografia e honro a minha história e meus esforços. Dei um novo lugar para o dinheiro e para algo tão valioso que é o meu tempo.


Vejo que absolutamente tudo o que passei foi necessário e útil!


Quando fiz a transição, sabia que não queria estar sozinha nesta jornada e que aprender de forma contínua é um valor pra mim.


Voltei para a Eight∞ Diálogos Transformadores, uma rede colaborativa que é mais do uma rede de desenvolvimento humano, é uma rede de afeto, de aprendizados e de muito amor.


Uma frase de Goethe acolhe meus pensamentos desde o meu início da minha nova jornada:

“Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor.”

Sempre me pego pensando no despertar da frase de Goethe, que meu grande sonho está vivo em mim e tenho certeza de que tudo de melhor está conspirando ao meu favor.


Não tenho controle, não quero ter, quero viver e me surpreender com os presentes da vida. Aprecio, aceito e continuo a minha jornada.


Michele Crevelaro é cofundadora, Coach e Facilitadora na Eight∞ Diálogos Transformadores. Ainda atua como psicóloga clínica e orientadora vocacional. É mãe da Maria Fernanda, uma garota cheia de energia, do Rick, seu filho de 4 patas e esposa do Carlos. Ama a vida ao ar livre. Estar em contato com a natureza, ler e escutar música alimentam sua alma. Acredita que estamos neste mundo para evoluirmos e que isso só é possível por meio das relações humanas.

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