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A Experiência Brasileira com Grupos Abertos de Codesenvolvimento

Atualizado: 23 de abr.

Esse artigo foi escrito pela Eighter Christine Bona originalmente para a revista “Le Codéveloppeur” uma publicação anual da Associação Quebecoise de Codesenvolvimento Profissional (AQCP – Association québécoise du codéveloppement professionnel) a convite de Claude Champagne, um dos idealizadores do método, que foi o responsável por coordenar essa edição especial da revista cujo tema principal foi “O Codesenvolvimento nos diferentes países e culturas”.


O texto foi inspirado a partir das experiências e relatos vividos na Eight. Um agradecimento especial à Erica Mizumoto e Karina Colpaert que escreveram o artigo “Humanizando Pessoas e Relações: O Codesenvolvimento transcende o papel do profissional” utilizado na construção desse artigo.


Você pode conferir a Revista na íntegra, e suas publicações anteriores no site da Associção, em francês. Nesta publicação do blog da Eight, compartilharmos em primeira mão o artigo de Christine traduzido para o português.


Resumo

O artigo apresenta uma iniciativa brasileira que visa gerar diálogos transformadores para grupos abertos utilizando o Codesenvolvimento como instrumento de conexão. Criada em resposta à necessidade de trocas provocada pela pandemia, a iniciativa tem se mostrado aderente à cultura coletivista dos brasileiros e tem sido aplicada em diversos temas fora dos muros das organizações.


Continue a leitura e veja o artigo traduzido na íntegra!



O Codesenvolvimento Profissional é um método francês de inteligência coletiva. Nesse artigo, apresentamos dois cases do seu uso no Brasil.

A Experiência Brasileira com Grupos Abertos de Codesenvolvimento


O Brasil é um país em que os valores que alimentam o senso de comunidade, tais como religião, democracia e obrigações familiares são bastante presentes. Segundo o sistema Hoefstede, o Brasil tem pontuação 38 na dimensão Individualismo, cuja questão fundamental é o grau de interdependência que uma sociedade mantém entre os seus membros.


Significa dizer que, desde o momento em que nascem, as pessoas estão integradas em grupos fortes e coesos, especialmente representados pela família extensa, que continuam protegendo seus membros em troca de lealdade.


Este é um aspecto importante também no ambiente de trabalho, onde, por exemplo, espera-se que um membro mais velho e poderoso de uma família ajude um parente mais jovem a ser contratado para um emprego.


Nos negócios, é importante construir relacionamentos confiáveis e duradouros: uma reunião geralmente começa com conversas gerais para se conhecerem antes de fazer negócios. O estilo de comunicação preferido é rico em contexto, então as pessoas muitas vezes falam profusamente. Podemos então dizer que o brasileiro, por natureza, gosta de estar em grupos e tem uma característica de proteger e ajudar, especialmente os próximos.


E é nessa característica cultural que o Codesenvolvimento se encaixa perfeitamente. Adrien Payette e Claude Champagne (1997, ver também Claude Champagne, 2021) definem que “a ideia central (do codesenvolvimento) é de aprender através de sua própria prática, escutando e ajudando os colegas a caminhar para a compreensão e melhora efetiva de sua prática”. A ajuda, além de um conceito central para o Codesenvolvimento, é uma característica importante e valorada na cultura brasileira.


Por isso, foi natural que o Codesenvolvimento aparecesse como uma alternativa para ajudar as pessoas a atravessar a pandemia, momento em que todos enfrentaram incertezas e medos e precisaram lidar com a sua vulnerabilidade.


Brené Brown (2012) define vulnerabilidade como aquilo que experimentamos em momentos de incerteza, risco e exposição emocional, o que nos deixa ansiosos e com medo.


Normalmente nosso instinto de sobrevivência quer nos manter longe de situações como essa, mas é justamente quando nos permitimos vivenciar nossa vulnerabilidade num espaço de confiança e segurança que a conexão entre as pessoas acontece. O ser humano se identifica com a humanidade do outro e, a partir desse momento, a relação passa a ser de ser humano para ser humano, independentemente do cargo ou posição que a pessoa ocupa.

Dilemas em Foco


Na rede colaborativa de diálogos transformadores da qual faço parte, notamos, naquele momento, que muitas pessoas enfrentavam os mesmos desafios para se adaptarem às novas necessidades criadas pela pandemia, seja em diferentes empresas, famílias ou grupos sociais.


Vimos então uma oportunidade para usar o Codesenvolvimento afim de que as pessoas tivessem um grupo onde pudessem compartilhar suas preocupações de maneira estruturada se beneficiando da inteligência coletiva instalada para o tema. Nosso objetivo era criar condições para que as pessoas pudessem compartilhar de humano para humano.


Desenhamos então critérios para formação de grupos abertos destinados a participantes que estivessem vivendo dilemas semelhantes. A iniciativa foi chamada de “Dilemas em Foco”. Ao aceitar fazer parte do grupo aberto, o participante comprometia-se a estar presente em todos os encontros do grupo que variava entre 6-8 pessoas.


Também era pré-acordado que, numa eventual impossibilidade de participação, era dele a responsabilidade de comunicar ao grupo e encontrar uma nova data possível para todos, incluindo o facilitador.


Pela característica intrínseca do povo brasileiro de gostar de estar em grupos e seu impulso de proteger e ajudar, a recepção da iniciativa de criação de grupos abertos foi bastante bem recebida pelas nossas redes sociais e de contatos. Entretanto, algumas adaptações foram necessárias de modo a garantir uma boa adequação na composição e dinâmica do grupo: a inclusão de uma entrevista de inscrição e a criação de uma etapa assíncrona.


Sabemos que a formação do grupo é um dos grandes desafios para o sucesso do Codesenvolvimento, e aqui fizemos a primeira adaptação. Criamos o conceito de público, onde os dilemas vividos por aquele grupo específico fossem semelhantes, como por exemplo: Dilemas de RH, Dilemas de Primeira Liderança, Dilemas do C-Level, Dilemas da Carreira 50+, Dilemas da Parentalidade etc.


Para cada interessado em participar de um dos grupos abertos, montamos um roteiro para que um coach facilitador fizesse uma entrevista a fim de identificar a adequação daquele interessado ao grupo.


Os pontos verificados visavam:


  • Garantir diversidade dos setores de atuação dos participantes, evitando empresas concorrentes;

  • Verificar papel exercido na organização;

  • Esclarecer a importância da presença em todos os encontros, reforçando a importância do equilíbrio entre o “dar e receber”, alinhado ao conceito de aprender a ajudar e a ser ajudado;

  • Além de obter um comprometimento à logística dos encontros.

Sempre no formato online, cada encontro tinha a duração de 2 horas. Os 30 minutos iniciais estavam voltados para um check-in do grupo, reforço do acordo e um espaço para que o cliente do encontro anterior pudesse contar o que mudou e/ou que ações foram tomadas desde a última sessão.


Os encontros eram quinzenais, o número de encontros era sempre igual ao número de participantes permitindo que cada um pudesse ter a experiência de passar pelo papel de quem traz a questão para a consulta do grupo.


Esses temas atendiam à premissa dos 3 P’s: ser uma preocupação, uma problemática ou um projeto. Os encontros eram conduzidos por dois facilitadores, de modo que quando um facilitava o outro assumia papel de consultor no grupo.


Uma etapa assíncrona foi criada para cada encontro. Um dia antes da sessão, o participante que apresentaria seu dilema tinha um encontro com o coach facilitador para que ele pudesse tomar distanciamento da questão que iria apresentar, bem como colocar suas preocupações e estabelecer os limites e expectativas para o encontro.


Para isso, além das perguntas em torno da exploração da questão, duas perguntas fundamentais eram feitas:


  1. Tem algo que você não quer que aconteça?

  2. O que você espera de mim, coach facilitador?


Esta etapa mostrou-se fundamental para que o participante se apropriasse de seu tema, tivesse clareza do que gostaria de receber do grupo e também funcionou para aumentar a eficiência dos resultados durante os encontros.


Os relatos trazidos pelos participantes confirmaram que os encontros de Codesenvolvimento proporcionavam uma nova forma de olhar para o dilema, provocando mudanças nas três esferas: sentir, pensar e agir.

Essa nova forma de olhar é também, em parte, consequência da forma estruturada de comunicação que o Codesenvolvimento proporciona. Sabendo que o brasileiro tem um estilo de comunicação rico em contexto e é falante, o fato de se abordar um tema em etapas nas quais a escuta e as perguntas tinham o momento certo de acontecer, que é muito diferente do seu modo habitual de comunicação, a eficiência do Codesenvolvimento em trazer reflexões é bastante perceptível pelos participantes.


Na medida em que o grupo se encontrava e se conhecia melhor, um ambiente aberto, de aprendizagem sem julgamento se estabelecia naturalmente. Relatos de que os encontros eram uma “oportunidade única para você perguntar aquilo que sempre quis, mas que nunca teve coragem” corroboravam a ideia de que o Codesenvolvimento é uma poderosa ferramenta para criar grupos com alto nível de segurança psicológica e confiança, onde os participantes podem mostrar sua vulnerabilidade e aprender a partir dela, mesmo que façam parte de sistemas diferentes.


Pudemos perceber que, independentemente do cargo ou da atividade profissional dos participantes, o Codesenvolvimento ultrapassava os muros das Organizações a partir do momento em que a humanidade das pessoas era reconhecida, ou seja, quando os participantes se conectavam com o lado humano de cada um. O Codesenvolvimento estava assim criando pontes de conexão entre as pessoas. Os dilemas estão presentes na nossa vida e são humanos.


O Sócio-Diretor de uma grande empresa de comunicação se referiu ao resultado do processo com a seguinte expressão:

“Foi ótimo poder contar com um ambiente livre de amarras, com a confidencialidade, confiança e respeito necessários para uma conversa realmente franca, aberta e transparente. É muito difícil ter uma troca nesse nível e com esse grau de liberdade - talvez tenha sido a primeira vez na vida”.

Ao participar de um grupo aberto de Codesenvolvimento, CEOs, diretores, gerentes deixam voluntariamente seus crachás guardados e dão voz ao humano em sua integralidade, aprendem e ensinam coletivamente e atendem ao mais básico impulso humano: o de dar ajuda. Somos seres coletivos. O Presidente de uma empresa do setor agrícola reconheceu:

"O Codev me ajudou em reflexões e decisões para se tomar no dia a dia. Compartilhar os nossos dilemas com colegas me alivia. E nos sentimos melhor também podendo ajudar o outro”.

Outra característica do Codesenvolvimento que possibilita sua aplicação fora do ambiente organizacional é exatamente a criação de um espaço seguro onde a aprendizagem pode ser levada para seu dia a dia. Ao discutir dilemas de sua área de atuação num grupo aberto, uma participante deu o seguinte relato:


Eu já sai, no primeiro encontro, admirando as pessoas. E eu pensei: ‘Uau!!! Quem são essas pessoas que já estão compartilhando tantos aprendizados?’ E a cada sessão eu aprendi a ampliar perspectivas. E cada vez que uma pessoa trazia um ponto eu sentia uma explosão! É importante você ter perspectivas diferentes, se afastar do problema e enxergar de outra forma. A cada sessão que eu participava, eu sabia que seria um momento para mim, mas também de muita troca e aprendizado coletivo. Achei tão incrível as trocas que levei essa prática no meu dia a dia”.

O Codev em grupos abertos traz o exercício voluntário da criação de vínculos com o objetivo de colaborar na descoberta e construção de soluções. Importante ressaltar esse aspecto voluntário como um pressuposto básico para o sucesso de um grupo de Codesenvolvimento.


Ao se voluntariar para participar de um grupo a pessoa está fazendo uma escolha de livre e espontânea vontade e a vontade é essa força interior que nos impulsiona a fazer algo. No caso do Codesenvolvimento, o impulso de colaborar com o outro ser humano quando este se vulnerabiliza é o que nos faz sentir conectados em nossa humanidade.


O Codesenvolvimento em grupos abertos é certamente um jeito novo de se desenvolver competências, onde as pessoas assumem a responsabilidade por seu próprio desenvolvimento, também fora das organizações. Por meio de uma rede de colaboração, troca e aprendizado coletivo, formada por pessoas sem seus crachás, há uma descoberta sobre uma nova maneira de se relacionar muito mais humana e autêntica.


Trilha de Desenvolvimento


A iniciativa dos Dilemas em Foco ficou ativa por 6 meses, neste período foram conduzidos 8 grupos em diferentes temáticas (Recursos Humanos, CEOs, Novo Normal, Parentalidade) com a participação de aproximadamente 30 participantes.


Com essa experiência concretizada, o desejo por unir o potencial transformador de conexão humana com outras necessidades muito vivas na sociedade brasileira cresceu e nós partimos para a formação de grupos em associação com uma ONG (Organização Não Governamental), com a intenção de fomentar a educação através da construção de uma Trilha de Desenvolvimento sustentada pelo Codesenvolvimento.


Mais uma vez aplicamos o conceito de público: nosso alvo seriam os jovens no primeiro ano da faculdade em situação de vulnerabilidade que eram apoiados por esta ONG.


Como já trazido, o Brasil é um país com a cultura do coletivo, portanto não encontramos dificuldade em viabilizar a ideia na ONG – nosso desafio era criar motivação e atratividade para que aqueles jovens se interessassem em participar do grupo e dedicar uma parte de seu escasso tempo nos encontros de Codesenvolvimento.


E, mais uma vez, nossa estratégia foi criar a conexão com a humanidade de cada um: fizemos um encontro com todo o grupo para apresentar os arquétipos da biografia humana desenvolvido por Rudolf Steiner[1] onde eles puderam reconhecer que todos estavam vivenciando uma mesma fase do desenvolvimento humano e da vida.


O impacto da convergência foi significativo e a oferta de um espaço seguro de trocas regulares com outros jovens através dos grupos de Codesenvolvimento foi percebido como algo motivador e de valor.

Ao longo de 2022 tivemos 6 grupos de Codesenvolvimento, com a participação de 60 jovens em encontros de periodicidade mensal. Os temas a serem apresentados surgiam de forma natural:


  • A preocupação em torno da assertividade do curso escolhido;

  • A manifestação dos primeiros talentos de liderança;

  • A dificuldade na organização pessoal;

  • Os desafios do trabalho em equipe, dentre outros.

Neste caso também foi adicionada a etapa de preparação do cliente da vez.


Aplicamos um roteiro específico de perguntas que contribuíssem para que o jovem se sentisse seguro e tivesse clareza do que gostaria de pedir ao grupo. Ao final da jornada abrimos espaço para que cada grupo apresentasse para os demais as aprendizagens do processo e os pontos que mais os impactaram.


Os resultados obtidos foram muito acima do esperado.


Jovens de 18 a 20 anos reconheceram a força da inteligência coletiva (“É mais fácil de resolver os nossos problemas quando compartilhamos com os outros”), a percepção de que os problemas são comuns a um grupo (“Não estamos sozinhos, há outras pessoas com problemas semelhantes”), a importância de pedir ajuda e de escutar ativamente (“Escutar o outro sem julgar é fundamental”), e, acima de tudo, perceber a humanidade do outro.

Diálogos Transformadores


Como facilitadores, tivemos a oportunidade de vivenciar os comportamentos e resultados provenientes de dois tipos diferentes de grupos abertos: os compostos por adultos, em sua grande maioria vindos do mundo do trabalho, e esses grupos de jovens, de diferentes universidades e estados.


Não foi nenhuma surpresa ver que os grupos de jovens eram muito mais abertos para aceitar as diferentes ideias que apareciam na etapa de consulta e mais curiosos em testar as novas possibilidades.


Como diria Paulo Freire[2], filósofo e educador, Patrono da Educação Brasileira: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre. E o diálogo cria base para colaboração”.


A estruturação de grupos abertos de Codesenvolvimento mostrou-se bastante efetiva fomentando a colaboração e segue como uma das vertentes de criação de diálogos transformadores. As possibilidades de temas ou dilemas compartilhados são infinitas e o sucesso da iniciativa se concretiza na formação contínua de outros grupos temáticos.


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[1] Rudolf Steiner (1861-1925) foi um polígrafo e ocultista austríaco. Conhecido principalmente como fundador da antroposofia, ele vai num segundo momento propor com base nessa doutrina aplicações práticas nos domínios da Educação (Escolas Steiner-Waldorf), da agricultura (agricultura biodinâmica) e da medicina (medicina antroposófica). Steiner, R. (1919) GA303 – O Desenvolvimento Saudável do Ser Humano.

[2] Freire, P. (1989) A importância do ato de ler, Cortez


Bibliografia


Brown, B. (2012). A Coragem de se Imperfeito. Sextante.

Burkhard, G. (2016). Tomar a vida nas próprias mãos (6 ed.). Editora Antroposófica.

Champagne, C. (2021). Le groupe de codéveloppement, la puissance de l’intelligence collective. Presses de l'Université du Québec.

Freire, P. (1989). A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez.

Hofstede, G. (s.d.). Hofstede Insights. Acesso em September de 2019, disponível em Hofstede Insights Web site: https://www.hofstede-insights.com/

Payette, A., & Champagne, C. (1997). Le Groupe de Codéveloppement Profissionnel. Presses de l'Université du Québec.




Christine Bona

PCC (Professional Certified Coach)

Membro da Eight Rede Colaborativa de Diálogos Transformadores

Formadora de Facilitadores em Codesenvolvimento

Cofundadora da Rede Codesenvolvimento Brasil

Buscando sempre o novo para apoiar pessoas na descoberta e construção do caminho em direção ao seu propósito. Acredita que parcerias são as melhores formas de relacionamento.



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