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Um universo de possibilidades...

Atualizado: 8 de abr.


Uma das coisas que me surpreendeu quando fiz a formação em Mediação de Conflitos foram as inúmeras aplicações que a mediação pode ter. Não fazia ideia que esta abordagem era tão universal e com tantos caminhos e possibilidades. Sendo assim, meu objetivo com este texto é compartilhar um pouco deste universo com você, para quem sabe, ampliar o seu olhar da mesma forma que o meu se ampliou, há alguns meses.

A primeira utilização da mediação se dá no âmbito do Poder Judiciário. Esta já era do meu conhecimento e, antes de fazer a formação, imaginava que seria a principal. A publicação da Resolução 125/2010 CNJ(1), em 29 de novembro de 2010, trouxe a mediação e a conciliação como meios alternativos de resolução de conflitos e criou espaços dedicados a esta nova prática, como os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça (NUPEMECs) e os Centros Jurídicos de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUCs).

Os objetivos que levaram o Poder Judiciário a oferecer a mediação e a conciliação como alternativas à resolução de conflitos de interesses passam por buscar uma melhor eficiência operacional do sistema e garantir o direito de acesso à Justiça a todos, previsto no artigo 5º, incisos XXXV, da Constituição Federal(2).

Este movimento decorre de um conceito que surgiu pela primeira vez em 1976, apresentado pelo professor emérito de Harvard, Frank Sander, na Proud Conference, em Minessota, nos EUA. Na sua palestra, na época, o professor Sander introduziu no mundo jurídico a ideia de que o sistema deveria contar com um centro de triagem dos casos de forma a se tornar mais adaptado e eficiente na solução dos diversos tipos de conflitos.

A triagem deveria levar em consideração a natureza da disputa, a relação entre as partes, o valor em disputa, o tempo e os custos envolvidos. Tendo então as características do caso e a visão lateral das diversas opções de resolução, o sistema poderia recomendar a melhor solução. Em outras palavras, o sistema passaria a contar com mais de uma opção ou, por que não, mais de uma porta, para se resolver um conflito. Daí surgiu o nome Sistema Multiportas, amplamente utilizado atualmente.

No Brasil, o nosso sistema judiciário conta atualmente com 3 portas: mediação, conciliação e o processo judicial em si. Já no ambiente corporativo, o Sistema Multiportas é mais amplo. Só para você ter uma ideia, um conflito empresarial pode ser resolvido por meio de negociação, negociação com a avaliação de terceiro neutro, mediação, conciliação, ombudsman e ouvidorias, dispute board e, por que não, a combinação destes métodos entre si, também conhecido por Métodos Híbridos.

Cada método tem as suas especificidades e apresentam diferenças entre si, mas todos tem em comum o fato de privilegiarem o diálogo em detrimento ao debate ou a disputa. São métodos consensuais. Revelam-se instrumentos mais simples, mais rápidos e mais eficazes tanto para a resolução quanto para a prevenção do conflito. Isto porque os envolvidos participam ativamente da construção da solução, atuam de forma colaborativa na autoria do acordo e tem sua autonomia resgatada e valorizada, uma vez que não são forçados a aceitar a decisão imposta por um terceiro.

A natureza dos conflitos no ambiente corporativo é diversa. Pode surgir das relações negociais e contratuais entre empresas ou entre os stakeholders de uma empresa, como por exemplo, questões relacionadas a processos de compra e venda de empresas, fornecimento de produtos ou serviços, parcerias empresariais, saída de um sócio ou de um membro do board de direção, entre outras.

Pode também surgir de controvérsias entre colaboradores, no cotidiano corporativo, seja pelo fato de que os colaboradores têm estilos e personalidades diferentes, estão disputando poder e reconhecimento, têm opiniões diferentes sobre um tema, ou qualquer outro motivo. O fato é que desentendimentos internos podem impactar a moral de uma equipe, o clima organizacional e, também, os resultados da empresa.

A mediação pode então atuar como uma facilitadora do diálogo entre as pessoas envolvidas no conflito, de modo a desconstrui-lo, reconstruir a relação e co-construir a solução. Pode também atuar na capacitação de líderes para que eles lidem com os conflitos que surgirem nas suas próprias equipes, fazendo o uso de conceitos e abordagens da mediação. Ou então, pode preparar os colaboradores para que eles saibam como lidar com conflitos, caso eles se envolvam diretamente em um.

Outra área de atuação da mediação dentro das empresas se chama Desenho de Sistemas de Disputa e tem a ver com ajudar organizações a desenharem seus processos internos de resolução de conflitos. Em outras palavras, há profissionais especializados em mapear e desenhar processos personalizados e eficazes com o objetivo de endereçar e solucionar situações de conflito, críticas, desentendimentos ou insatisfações, seja de colaboradores, parceiros ou clientes. Se você já ouviu falar nas plataformas online de resolução de conflitos da Uber, do e-Bay, ou mesmo do Mercado Livre, é disso que estou falando. Estes processos podem ser desenhados para começar e terminar numa plataforma online, como nos exemplos mencionados, ou podem ser desenhados de forma a ganharem vida no mundo offline.

Mas não é só no poder judiciário ou nas empresas que a mediação está sendo utilizada com o objetivo de reconstruir relações e co-construir soluções. A mediação familiar é um bom exemplo pois é amplamente utilizada para resolver conflitos a partir de temas como separação e divórcio, disputa pelo nome do ex-cônjuge ou pela guarda dos filhos, a divisão de bens..., mas também começa a ser utilizada em novas áreas de especialização, como as relações entre famílias com filhos adolescentes, nos quais se encontram conflitos ligados a problemas disciplinares, à responsabilidade do adolescente nas tarefas da casa, a definição de horários e regras.

Outra área com possibilidades de atuação é no âmbito escolar. Sabemos que as escolas são um espaço de diversidade, reunindo alunos de diferentes origens sociais e econômicas, com valores, crenças, experiências e comportamentos singulares. O resultado é um ambiente rico em interação e troca, mas que pode também promover divergências capazes de interferir no processo de aprendizagem, nas relações e no ambiente como um todo.

No Brasil temos algumas iniciativas ou projetos de mediação dentro das escolas e se ampliarmos o nosso olhar para a resolução de conflitos e a convivência, base do trabalho da mediação, temos iniciativas importantes e relevantes que merecem destaque, como o trabalho realizado pela pedagoga, doutora em educação pela Faculdade de Educação da Unicamp e professora do departamento de psicologia educacional desta mesma instituição, Telma Pileggi Vinha. Telma desenvolve pesquisas sobre clima escolar, problemas de convivência, relações interpessoais e desenvolvimento sócio moral. Coordena e desenvolve formações e projetos em escolas que visam a melhoria da qualidade da convivência e do clima escolar, favorecendo a construção da autonomia de todos. Ela, e com certeza outros atores não citados aqui, tem contribuído para levar este tema para dentro das escolas.

Em espaços sociais, temos a mediação comunitária ganhando cada vez mais relevância e abrangência. Pessoas que moram perto, frequentam os mesmos comércios, utilizam a estrutura de lazer do bairro e seus filhos vão à mesma escola mantém uma convivência e, por isso, apresentam vínculos afetivos ou uma relação continuada no tempo.

Desta forma, controvérsias e conflitos gerados deste convívio podem fazer uso da mediação comunitária, que não é vinculada ao Poder Judiciário, para refletirem conjuntamente e buscarem de forma colaborativa uma solução. O diálogo é a principal ferramenta e permite que os envolvidos mudem suas percepções sobre o contexto, construindo alternativas dialogadas, consensuais e efetivas.

A mediação também está presente em conflitos internacionais, quando envolvem pessoas e países com leis e culturas diferentes, como o caso do menino Sean Goldman, que em 2004 foi levado para o Brasil pela mãe brasileira à revelia do pai norte-americano. Ou em conflitos relacionados a Tecnologia da Informação. Embora a TI seja internacional, a internet salta muros e são poucos os tratados internacionais que a regulam globalmente. Há também os conflitos socioambientais, decorrentes de acidentes ambientais naturais, como o terremoto que devastou o Haiti ou acidentes decorrentes de falhas como Chernobil, Mariana e Brumadinho.

Independente da área de aplicação, o que vemos é que conflitos surgem ante a percepção de diferenças incompatíveis (ou pouco compatíveis) nas relações e diálogos, associado a um sentimento de impossibilidade de coexistência de interesses, necessidades e pontos de vista. Sempre há fatores tangíveis envolvidos (fatos, benefícios, contratos, bens) e fatores intangíveis (interpretação, confiança, respeito, autoimagem).

Por isso, ignorar o conflito ou o desentendimento não é a melhor forma de lidar com ele. Se esta for a opção escolhida, o único resultado que se pode esperar é que dentro em breve o que era um desentendimento pode ter se transformado em algo intransponível. Sem contar nos custos gerados pela situação, que vão desde custos mensuráveis e concretos até custos de relacionamento interpessoal e interorganizacional, no caso das empresas.

A melhor forma de lidar com a situação é reconhecendo e olhando para o conflito como um fenômeno natural e como uma oportunidade de mudança. Se encararmos o conflito como um processo construtivo(3), podemos esperar que surja a motivação para resolvê-lo prospectivamente, sem atribuição de culpa. Abrimos espaço para que, por meio de diálogos transformadores, as pessoas sejam encorajadas a se expressarem de forma clara e cuidadosa, a exercitarem a escuta empática e inclusiva e a apreciarem as diferenças, dando espaço a novas ideias e percepções. Podemos esperar por um próspero universo de possibilidades para um convívio mais amoroso e respeitoso entre todos nós.

Escrito por Valeska Scartezini, coach integrante da Eight e formada em Mediação de Conflitos pelo Instituto Mediare.

(1) A Resolução 125/2010 CNJ está disponível no site do CNJ https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_125_29112010_03042019145135.pdf

Para saber mais, conheça também a Lei da Mediação nº 13.140, de 26 de junho de 2015 e a Lei do Novo Código de Processo Civil nº 13.105, de 16 de março de 2015.

(2) Leia o artigo 5º, incisos XXXV, da Constituição Federal do site do Planalto do Governo, Portal da Legislação http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

(3) Referência a Teoria do Conflito, de Morton Deutsch.

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