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Encontros que transformam – Relações que curam!

Atualizado: 4 de abr.


Uma amiga tinha ligado e avisado: “Não será fácil! Mas vai passar!” Na hora optei por deixar acontecer o que fosse necessário acontecer para minha história. Não acreditei nem desacreditei, preferi esperar e me preparar.

Me preparei de todas as maneiras que pude pensar para viver o momento da melhor forma possível. Separei cuidadosamente uma caixa de lenços, uns mais lindos que os outros, estudei sobre seda pura - afinal os melhores eram de seda, pois não esquentavam nem caiam da cabeça. Tinha de tudo quanto é cor, textura, material, alguns emprestados e de ótima qualidade, assisti os tutoriais, fiz testes e me diverti imaginando ser modelo de uma revista árabe. Não consegui usá-los!

Fui atrás da peruca, sabia que tinham as mais caras e fixas, também chamadas de implantes. Optei por uma doada, escolhi o cabelo e o modelo - o tom do cabelo era igualzinho ao que eu tinha - busquei cortá-la com uma especialista no tema. Bingo! Saí do salão na Augusta com a peruca que era igualzinha ao meu cabelo. Quem via de longe nunca diria que estava usando uma imitação. Não consegui usá-la!

Quando já estava sem cabelo e abatida por isso, quase sem esperança, pensei que turbantes poderiam ser uma solução. Procurei e encontrei uma loja só de turbantes. Um mais lindo que o outro, coloridos, estampados, tecido africano, viscose, flanela ou outros. Amei a praticidade, uns pedaços de pano com dois arames nas laterais com as pontas de silicone faziam a peça perfeita, considerando minha praticidade, sem contar o custo que cabia no meu bolso, além de me dar um leque gigante de opções pro dia a dia. Amei! Saí feliz e satisfeita, encontrara o que me faria viver o que estava sendo mais difícil da experiência: ficar sem cabelo e lidar com o meu ideal de beleza. Sim! Esses consegui usar! E com muita autenticidade me divertia com as opções de turbantes que havia adquirido.

Já havia passado pela cirurgia, pelo período de recuperação, pelo coquetel de hormônios para coleta de óvulos, e iniciara a fase das quimios temidas - “As vermelhas” - as ditas mais chatas devido aos efeitos colaterais.

Me sentia privilegiada, pois meu organismo reagiu maravilhosamente bem, senti poucos dos efeitos. A cada sessão, a sensação de alívio e felicidade.

Procurava desenhar os sentimentos que vivia, expressar de alguma maneira o que estava sentindo. Não conversava muito, parecia que queria traquear o caminho do líquido correndo pelo meu corpo e ajudá-lo a combater qualquer possibilidade de mutação que pudesse ainda existir (como se isso fosse possível). A minha companhia era meu marido, em todas as primeiras sessões procurava se fazer presente quando solicitado, mas também vivia aquele momento à sua maneira – mais calado.

Da terceira para a quarta, a que seria a última vermelha, tive que admitir que a experiência estava me fazendo sentir como se estivesse sendo prisioneira. Uma sensação bastante ruim, como se a minha cabeça estivesse dizendo que eu precisava daquilo e meu corpo me dizia que já não queria mais - o que ficou claro quando na quarta sessão, ao entrar na sala, meu corpo já mostrava sinais de não estar feliz: sem nem mesmo aplicar nada, já sentia ânsia. Queria vomitar tudo o que aquele lugar começou a representar para mim.

 

Sabia que não adiantaria lutar contra aquela sensação que era legítima e que precisaria acolher o que estava passando em mim. Então, no dia seguinte, só pensava em como poderia deixar de viver aquilo - que havia se tornado uma tortura psicológica!

 

Poderia pedir pra parar, “pedir pra sair”, esse era meu desejo consciente, afinal, eu sou dona da minha vida, não posso fazer um tratamento que não quero. Ao mesmo tempo, existia em mim um lado racional que dizia que a pior parte já havia terminado, e que se tinha chegado até ali, precisava continuar. O que respeitar? O bem ou o mal, já que ambos estavam coexistindo em mim? Quem dominaria?

Foi quando em uma sessão de análise, olhando para essa polaridade e tentando entender como ela estava se manifestando em mim, decidi que não precisaria viver isso sozinha.

Sempre tive uma rede de relacionamento que julgava forte, verdadeira e profunda, algumas mais que outras, de lugares e construções de diferentes momentos da minha vida, algumas de data antiga, que cresceram comigo, outros que me encontraram ao longo da jornada. Quando a notícia no início começou a ser falada, várias pessoas de diferentes círculos me procuraram para oferecer ajuda, se colocar à disposição, e como nunca antes me sentia amada e acolhida. Confesso que não sabia o que fazer com isso. Quem sempre acolheu, que trabalha “cuidando” dos outros, agora era acolhida e cuidada. Uau! O que é isso minha gente?!

Demorou um bom tempo para assimilar, aceitar que poderia ser assim, e que, legitimamente as pessoas queriam demostrar seus afetos por mim. Nossa! Como minhas relações cresceram! Como não olhar nos olhos dessas pessoas sabendo que uma doença como essa poderia afetar nossas trajetórias de vida?! Como não enxergar o medo do reconhecimento da nossa limitação, vulnerabilidade e humanidade? Como não entender que posso sim ser amada e querida? Mas em meio a lágrimas naquela sessão de análise pude enxergar outras possibilidades.

Por que não pedir ajuda para viver esse momento, que seria o mais difícil desse processo até então? Por que não acolher a oferta de ajuda que muitos ofereceram? Por que não me permitir ser cuidada com aqueles que viam valor em nossas relações? O que perderia se pudesse compartilhar um momento de tamanha vulnerabilidade para mim?

Decidi que as 12 sessões de quimioterapia brancas que viriam nas 12 seguintes semanas seriam na verdade 12 encontros, com 12 pessoas que acabaram virando grupos, duplas, trios etc... 12 possibilidades de novas conexões, 12 encontros com conexões mais fortes e profundas, iniciados com um café da manhã gostoso e finalizando com um almoço longo, com um cardápio de histórias que estavam sendo construídas com muita proximidade e verdade.

 

Me permiti! E o que poderia ser muito difícil, pesado, sofrido e triste ficou alegre, leve, intenso e incrível.

 

Senti não mais o efeito do nó no estômago ou a ânsia de vômito. Senti coisas bem diferentes, como ansiedade para a chegada do próximo sábado quando novas pessoas estariam comigo, novas histórias e mais relações seriam lapidadas. Senti acolhimento e carinho, felicidade, sorri, sorri muito, antes, durante e depois, gargalhei vaaaaaarias vezes, aconselhei e fui aconselhada. Orei sozinha e junto! Agradeci! Agradeço! Agradeci!

Dividi a vida!

Compartilhei a vida!

Chorei a vida!

Me alegrei pela vida!

Ah... dormi algumas vezes porque o antialérgico que se toma de preparação dá muito sono, mas logo acordava porque não podia perder o que estava acontecendo ali. Tudo isso enquanto saíam e entravam enfermeiras para trocar a medicação. Elas também se divertiam com as histórias e conversas. Falavam que aquilo parecia o programa “saia justa” ou coisa do gênero.

Elas usaram turbantes, dormiram no sofá, falaram das vidas, dores e amores... tudo enquanto uma gota pingava atrás da outra.

Em uma outra ocasião, uma outra amiga disse que ficava muito chateada porque essa doença só “atingia” gente do bem. Eu respondi que não me chateava não, que sabia que essa era só mais uma oportunidade para que eu pudesse reconhecer e exercitar ainda mais a minha humanidade e para viver aqui tendo a certeza que posso fazer diferente.

É... tem sido diferente sim, mas tem sido melhor!

E que seja assim, relações construídas e lapidadas com uma grande dose de amor! Sim! Porque é isso que sinto por cada pessoa que viveu esse “ENCONTRO” (em letras maiúsculas) comigo e muitas outras que não estavam lá na quimio, mas que estão na vida.

Bom, não preciso dizer que esse período ficará guardado na minha memória como algo muito especial, não só pelas químicas que percorreram pelo meu corpo, e seus efeitos – como a queda de cabelo - não pelas consultas médicas ou exames intermináveis, mas pelas conexões, amizades e pelo apoio e principalmente AMOR que recebi de cada um que “tomou quimio comigo”. Amém por isso!

Hoje compreendo um pouco mais o sentido da frase que diz “você é responsável pelo que cativou”. Por mais ENCONTROS que renovam e fortalecem relações, e abrem janelas de possibilidades para viver a vida com mais profundidade e sensibilidade e que deixam o coração quentinho, quentinho. Amém amém!

 

“Mais que uma mão estendida

mais que um belo sorriso

mais do que a alegria de dividir

mais do que sonhar os mesmos sonhos ou doer as mesmas dores,

muito mais do que o silêncio que fala

ou da voz que cala para ouvir

é, a amizade, o alimento que nos sacia a alma

e nos é ofertado por alguém

que crê em nós.”

(autor desconhecido)

 

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