Quando eu era criança ganhei um par de sapatinhos branco que era a coisa mais linda do mundo! Era de verniz, com fivelinhas e toda vez que eu os calçava me sentia uma princesa! Claro que eu só podia usá-los em ocasiões especiais: festas, aniversários, casamentos... E claro que eu queria usá-los todos os dias! Quando eu me vestia de princesa com um saiote longo costurado pela minha avó, uma coroa de cartolina feita pelo meu pai e um pedaço de tule pra servir de véu (sim, princesa usava véu!) é claro que não poderia faltar lindos sapatinhos de princesa. Lá ia eu buscá-los no armário e como num passe de mágica, eu me transformava numa princesa.
Eu sempre queria usar meus sapatinhos de princesa para ir a escola e pedia pra minha mãe. A resposta sempre foi: “Não pode! Esse sapato é de passeio! Você vai pra escola de conga!” Conga...eu odiava conga! Aquela coisa dura que machucava meu pé, azul marinho com ponta de borracha branca e cadarços horrorosos!! E lá ia eu pra escola de conga, sonhando em voltar logo pra casa pra poder terminar o dia com meus sapatinhos de princesa.
Um belo dia, eu já estava de uniforme da escola e conga, pronta para sair, quando repentinamente fui tomada por um espírito de princesa aventureira. Fui até o quarto, abri o armário, arranquei a conga e calcei os sapatinhos de princesa. E lá fui eu pra escola, toda feliz, me sentindo princesa por um dia inteiro! Nunca fui pra escola tão feliz na minha vida!
Mas infelizmente minha história não teve um final feliz como nos contos de fada. É claro que minha mãe descobriu que eu havia trocado os sapatos. Ela chegou na escola pra me buscar e já estava furiosa. Afinal, eu havia desobedecido uma regra de ouro... usei os sapatos de passeio para ir à escola!!! Levei uma bronca daquelas, um castigo que não esqueço até hoje. Eu chorava de raiva encarando minha algoz, mas no fundo da alma não me arrependia de ter ido pra escola com os meus sapatinhos de princesa.
Tempos depois, durante uma sessão de terapia, comentei o episódio com meu terapeuta e ele me olhou carinhosamente com seus olhos azuis e me disse: “Esses sapatinhos te salvaram a vida!”. Heim??? Como assim??? Saí de lá sem entender nada. E só fui compreender alguns anos depois.
Sim, quando somos crianças precisamos obedecer nossos pais, professores e os mais velhos e assim assimilar as regras de convivência em família e na sociedade. E aos poucos vamos nos enquadrando, deixando nossas vontades de lado e obedecendo as regras da vida que nos são impostas. Mas preservar uma centelha da nossa essência para mais tarde nos re-conectarmos a ela é fundamental.
Hoje entendi porque meus sapatinhos de princesa me salvaram a vida. Naquele dia eu infringi as regras e desobedeci minha mãe, mas eu obedeci a minha mais pura vontade, meu desejo genuíno de usar meus sapatinhos de princesa na escola. E não me arrependo por um segundo.
Essa é a voz do coração, da autenticidade, da nossa essência! Essa é a voz que eu reaprendi a ouvir, a voz que passei a ouvir com mais clareza ultimamente, a voz que me deu forças para tomar algumas decisões difíceis, que me ajudou a buscar o caminho que trilho hoje e não troco por nada desse mundo. Essa é a voz que falou nos momentos em que contestei regras antigas e redefini minhas próprias regras de vida, seguindo a vontade do meu coração e sentindo o acalento da alma.
Erica Mizumoto é Coach em busca de constante auto-desenvolvimento, que aprendeu a usar os diversos sapatinhos coloridos que a vida lhe oferece.