Nunca se falou tanto em Saúde Mental como neste momento que estamos vivendo. A pandemia acelerou alguns processos nas organizações como a implementação de políticas de home office, a gestão de performance e liderança à distância, a utilização de recursos online, e também, a preocupação com a saúde dos colaboradores, mas agora não só no âmbito da integridade física, mas também da psicológica veio à tona e passou a ser uma urgência.
Muitas organizações começaram a se questionar sobre como manter a saúde mental de seus colaboradores frente aos acontecimentos causados por uma doença tão séria, um cenário tão incerto e uma mudança abrupta de rotina.
Da noite para o dia, os limites antes postos de maneira tão distinta entre vida profissional e pessoal foram quebrados, nossas casas abertas e, para alguns, um sentimento de ter tido a vida invadida. A tentativa de adequação à nova rotina, onde diferentes papéis foram misturados sem nenhum preparo prévio, levaram rapidamente a queixas de exaustão e burnout.
Dentro das organizações o tema de Saúde Mental tem surgido com mais frequência, mas o que é, de fato, Saúde Mental?
Apesar de ser um tema atual e amplamente discutido, aparentemente ainda há dúvidas sobre o que o termo Saúde Mental abarca e muitas vezes é confundido como Transtornos Mentais ou Doenças Mentais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem uma definição para Saúde Mental com uma visão mais integrativa e essencial. Nessa definição não há saúde, se não houver saúde mental.
Assim, a Saúde Mental é definida como um estado de Bem-Estar no qual um indivíduo realiza suas próprias habilidades, pode lidar com as tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e é capaz de fazer contribuições à sua comunidade.
Para facilitar o entendimento do tema, podemos abrir perspectivas em duas frentes: a primeira é a da patogênese, em que há um olhar para as doenças originadas pela ausência de saúde, inclusive a mental; já a segunda é a salutogênese, que traz luz para o tema de promoção de Bem-Estar como algo mais preventivo e duradouro, e que faz menção à definição da OMS.
Quando falamos de patogênese, o paradigma que é colocado é o tratamento do estresse, do esgotamento mental, da depressão, da ansiedade e outras tantas doenças mentais. Esse foco para o adoecimento não é à toa, segundo a OMS, o Brasil é o país com a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade no mundo inteiro e o quinto em casos de depressão. Conforme o levantamento da organização, 9,3% dos brasileiros têm algum transtorno de ansiedade e a depressão afeta 5,8% da população.
Frente a esse cenário ficou mais comum que as organizações se preocupassem em oferecer algum tipo de suporte terapêutico aos colaboradores que se encontrassem nessa situação. Porém, esse quadro de ansiedade já acontecia de certa forma antes da crise e não passamos a ser o país mais ansioso do mundo somente pela pandemia. As raízes disso são várias, desde questões sociais, educacionais, econômicas e até de políticas públicas. Porém, é louvável que mesmo que tardio, as empresas olhem para esse tema e cuidem de seus colaboradores já adoecidos ou na eminência de ficarem com responsabilidade. Buscar algum tipo de apoio, estar em terapia e/ou recorrer ao tratamento psiquiátrico, são iniciativas que estão cada vez menos na mira do preconceito.
Mas ainda assim fica a pergunta: as organizações precisam esperar o adoecimento de seus colaboradores para buscar algum tipo de apoio profissional?
No geral, ainda falamos pouco sobre a salutogênese, focamos mais na doença do que nos cuidados preventivos. Além disso, muitas vezes quando falamos sobre saúde mental e Bem-Estar, tratamos a temática na esfera do indivíduo, onde ele é o único responsável por estar bem emocionalmente, deixando de certa forma a organização apartada desse tema.
Nessa visão individual, deixamos para as empresas a vala comum das ações corporativas que, em grande parte, se resumem a incentivos e benefícios.
Mas, se olharmos a organização como entidade integrada à sociedade e construída por seres humanos, o que mais elas podem fazer no sentido da promoção do Bem-Estar?
E qual seria o impacto se temas como clima organizacional, colaboração e liderança estivessem voltados para o aumento da sensação de Bem-Estar?
Quando pensamos em Bem-Estar, alguns modelos são entendidos como amplos e acessíveis na implementação de ações para empresas que queiram promover a saúde ao invés de reforçar a doença. E isso passa pela construção de empresas mentalmente saudáveis.
Em seu livro, Florescer, Martin Seligman, considerado o pai da psicologia positiva, põe luz a um modelo que vai além da felicidade e coloca em ação o verbo florescer. O modelo PERMA de Florescimento, contempla o conceito de promover o Bem-Estar de forma integral.
O acrônimo PERMA que em inglês quer dizer: Positive Emotions (Emoções Positivas), Engagement (Engajamento), Relationships (Relações Positivas), Meaning (Significado) e Achievment (Realização) pode ser implementado em organizações a partir da análise das práticas e cultura organizacional com o olhar destes 5 pilares.
Se pensarmos no PERMA para as organizações como um modelo para promoção de Bem Estar, as questões trazidas seriam:
- Como promovemos emoções positivas no ambiente organizacional? Aqui podemos pensar muito na forma como funciona a comunicação dentro da empresa, quais palavras são usadas com mais frequência, são palavras de cunho ativo e construtivo ou existe uma comunicação que permeia por palavras de passividade e destruição?
Um exemplo disso é no momento de um feedback, o gestor traz para o colaborador a visão de incentivo, mesmo nas situações difíceis? As conversas são honestas ou protocolares? Como é o comportamento não verbal: mantém contato visual, traz seus sentimentos e percepções sobre o ocorrido, demonstra apoio?
- Já no campo do engajamento, os times sabem o que realmente precisa ser feito e entregue? Os papéis e responsabilidades estão claros? A equipe possui os recursos necessários? Podem contar com o líder para que para apoio e direcionamento quando as coisas não acontecem da forma que foi planejada? Como está a delegação e o aprendizado de temas novos e necessários para que entregas sejam realizadas?
- Quando pensamos em relações positivas o que fica é se o ambiente organizacional propicia a construção de relacionamentos positivos. Há pessoas dentro do meu time ou da empresa que posso contar? Eu posso ser eu mesmo? Há espaço para a autenticidade? Se a cultura empresarial promove a competitividade, as conversas de corredor e um ambiente tóxico, pouco ou quase nenhum relacionamento pode nascer e florescer neste terreno árido. O quanto podemos contar um com o outro nesta organização? Há um sentimento de unidade e pertencimento? Aqui entram, também os aspectos de colaboração e confiança. Particularmente, gosto de um conceito simples e direto do Stephen Covey sobre confiança, o qual a vê como o resultado de uma adição simples, confiança = competência + caráter. O quanto a empresa reforça comportamentos íntegros e os torna exemplos nessa conta proposta por Covey?
- Ao ver o significado, a atenção volta-se ao propósito e o primeiro entendimento é ver que o que se faz no dia a dia contribui para a organização como um todo, que pode ser traduzido como os sentimentos de ser sentir valioso e útil. O olhar apreciativo pode ser um recurso. Só recebo atenção dos meus pares e líderes quando as coisas vão mal? O que acontece na organização com aquele colaborador que tem entregas consistentes?
- E por último, mas não menos importante, a realização, aqui podemos fazer a conexão com o crescimento pessoal, ou seja, um olhar individual acerca do seu potencial. O quanto aquilo que você tem de melhor é requerido e praticado no dia a dia? Quando você olha para sua trajetória profissional, percebe progresso ou estagnação? A realização está no praticar, no fazer aquilo que se tem de melhor dentro de si para os outros e para a empresa. Isso passa pelo autoconhecimento, mas também pelo olhar organizacional apurado em ver as potencialidades à frente dos gaps.
Ao tratar sem tabu o tema de Saúde Mental pela promoção do Bem-Estar, preparando seus líderes e toda a organização para atuar com enfoque nos pilares do PERMA, a empresa assume um papel social ativo e que contribui para uma sociedade com pessoas mais saudáveis. Para Seligman, a riqueza só tem sentido se estiver a serviço do Bem-Estar de todos seus stakeholders.
Entretanto, existe um ponto importante de tudo isso. As organizações podem promover todas essas ações e ter uma cultura exemplar, mas mesmo assim, ter pessoas em seus quadros que não correspondem às expectativas de performance e de fit cultural. Isso faz parte das relações, casamentos são desfeitos todos os dias por não satisfazer as necessidades individuais, por mais que o parceiro que foi deixado acredite que já tenha (e poder ter) feito o máximo. Simplesmente, algumas relações não dão certo e isso faz parte da complexidade humana. Nesse ponto, entramos tão somente no campo do indivíduo, o qual possui o ambiente e recursos favoráveis, e mesmo assim, não consegue acompanhar as necessidades da empresa. Esse é um capítulo a parte sobre os desejos e necessidades dos seres humanos.
Mas, se ao final, você ainda se perguntar, cadê a parte do resultado organizacional neste acrônimo? O resultado se encaixa como consequência de uma empresa mentalmente saudável.
Michele Crevelaro é cofundadora, Coach e Facilitadora na Eight∞ Diálogos Transformadores. Ainda atua como psicóloga clínica e orientadora vocacional. É mãe da Maria Fernanda, uma garota cheia de energia, do Rick, seu filho de 4 patas e esposa do Carlos. Ama a vida ao ar livre. Estar em contato com a natureza, ler e escutar música alimentam sua alma. Acredita que estamos neste mundo para evoluirmos e que isso só é possível por meio das relações humanas.
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