"Na média e seus (re) significados" foi o tema do dossiê da Revista Coaching Brasil publicada em março de 2023. Esse dossiê foi coordenado pela Eighter Michele Crevelaro e apresenta um olhar para o indivíduo, para a organização e para a sociedade, reunindo diferentes formas de escrita e reflexões acerca do que é estar na média.
Esse dossiê traz uma reflexão importante sobre a pressão por produtividade e resultados nas empresas, que é cada vez maior e continuará sendo. E, em contrapartida, um mundo pós pandêmico com o questionamento de que até que ponto é saudável viver essa sociedade do cansaço.
O dossiê pode ser lido na íntegra no site da Revista Coaching Brasil, por assinantes. Aqui no blog da Eight, você terá acesso a alguns artigos, como o "Afinal, o que é estar na média?", escrito por Michele.
E hoje compartilhamos o artigo escrito pela Eighter Christine Bona sobre "O Processo de Coaching e a Busca por Metas Inatingíveis." Confira abaixo!
“Quase não existe nada mais prejudicial para a essência do ser humano que estar com o coração distante daquilo que a cabeça é obrigada a fazer” (Rudolf Steiner)
Começo com uma pergunta: você fez aquela listinha de metas para esse ano que está começando? Não precisa ser aquela lista formal, escrita, vale também a lista mental na hora de dormir ou aquela conversada com uma pessoa próxima... às vezes não declaradas tão abertamente, mas que estão lá?
A minha hipótese é que a maioria das pessoas responde sim a essa pergunta. Acredito que as nossas metas individuais servem como um direcionador das nossas ações.
No mundo organizacional não é diferente. Metas são o direcionador não só das ações, mas da medida do resultado. A mudança de paradigmas do trabalho vem impondo às organizações uma revisão de seus modelos baseados em crescimento e performance infinitas para um modelo mais orgânico, evolutivo.
Com isso, as organizações vêm incorporando aos seus modelos de avaliação os comportamentos individuais como indicadores de resultados de boa performance. Colaboração, comunicação clara, comprometimento, entre outros, passam também a fazer parte das metas do ano.
Entretanto, as velhas metas de resultados tangíveis e numéricos continuam tão relevantes quanto antes. Então nos vemos cercados de metas: pessoais, familiares, organizacionais etc. A grande maioria delas impostas pelo mundo exterior, balizando nossa atuação.
Vivemos num mundo essencialmente materialista e de grandes contradições. E essas contradições nos levam a conflitos (externos e internos) que turvam a nossa visão sobre o que é verdade, e a consciência da verdade sempre vem acompanhada de coerência. Mas a coerência do mundo atual separa e acumula.
Segundo Steiner, “na atual configuração da humanidade, por causa da alma da consciência, o homem nasce com uma natureza que implica a separação, o individualismo, o egoísmo e a solidão.... resultando daí a maior dificuldade em se conhecer e ganhar intimidade do próximo”. E, nesse contexto, as metas passam a ser a nossa medida de coerência.
Socialmente, se estamos cumprindo as metas, estamos no bom caminho.
Mas e quando não as cumprimos? Quantos de nós temos aquelas metas que repactuamos internamente, ano após ano, e simplesmente não atingimos? Significa que estamos no caminho errado?
Na abordagem centrada na pessoa, desenvolvida por Carl Rogers no início dos anos 40, parte-se do princípio de que todo ser humano é capaz de se esforçar a fim de atingir o seu potencial máximo. Então algo aconteceu quando não atingimos essas metas. Isso significaria que não demos nosso máximo esforço?
Segundo a abordagem integral do ser humano, se não houver coerência entre as metas impostas e nossos impulsos internos, provavelmente não conseguiremos colocar em prática o nosso máximo potencial. Portanto, o caminho a ser buscado seria o de alinhar as metas (o pensar) aos impulsos (o sentir) para chegar nos resultados (o agir).
O processo de coaching individual é um instrumento efetivo para alcançar esse alinhamento. De acordo com os autores do modelo co-active, a sensação de sentir-se completo de cada coachee é diferente e intensamente individual e o nosso papel como coaches é o de ajudá-los a compreender e aprofundar o significado disso para eles “... é a respeito do que preenche a alma e o coração do cliente” focando na pessoa por inteiro.
Ainda segundo os autores, “um dos mal-entendidos comuns sobre coaching é que se trata simplesmente de fazer as coisas - performar em um nível superior”. E é a partir deste mal-entendido que muitas organizações buscam o processo de coaching como um caminho para atingir as metas e ter as coisas feitas.
Um processo de coaching é muito mais que isso: é um instrumento para fazer a experiência real de transformação interna, uma experiência de alinhamento interior, intangível e intransferível, pois cada um vai vivenciá-la à sua maneira.
O que acontece então quando a organização procura no processo de coaching a solução para que seu colaborador (o coachee) entregue as metas definidas na sua avaliação de desempenho?
E quando essas metas são vistas pelo seu coachee como inatingíveis?
Peter Hawkins, ao apresentar o coaching sistêmico, afirma que “a colaboração é a base do trabalho em parceria e o coração de uma relação de contratação eficaz” e que “frequentemente, nesse processo, as diferentes e conflitantes necessidades do mundo de seus stakeholders vai emergir”.
Como coaches, nós devemos reter o nosso senso de perspectiva e fazer uma parceria com os nossos coachees para entender a teia de necessidades diferentes e muitas vezes conflitantes que podem surgir no complexo ecossistema organizacional.
Para acompanhar o coachee nessa jornada, Hawkins apresenta o modelo IDDD* (Investigação – Diálogo – Descoberta – Desenho), um ciclo colaborativo que acontece na fase da contratação do processo de coaching que é central para o entendimento sistêmico da situação.
A visão sistêmica nos ajudará a incluir as partes interessadas e a trazer para o centro da conversa potenciais desalinhamentos e, algumas vezes, trazer à tona potenciais conflitos éticos.
Neste caso, virá a necessidade de apresentar maturidade ética para estabelecer o diálogo a respeito desse desalinhamento dentro do sistema em que o coachee está inserido e auxiliá-lo a lidar com os seus próprios desafios éticos.
O dilema ético de “conluio diático” (dyadic colludion) ou seja, colocar o propósito pessoal do coachee acima do propósito do trabalho, fará parte das fases de Investigação e Diálogo conduzidos durante o processo de contratação do coaching, tendo como pano de fundo a busca de como servir os interesses de todas as partes envolvidas, auxiliando o coachee a confrontar o dilema que está vivendo e assim possibilitando que ele se transforme além de si mesmo.
Dessa forma as metas inatingíveis tornam-se objetos de investigação e diálogo, através da qual o coachee compreende o que realmente faz sentido para ele, quando ele se conscientiza da sua verdade e passa viver alinhado internamente e o processo de coaching é o caminho dessa transformação.
Bibliografia:
Hawkins, P., & Turner, E. (2020). Systemic Coaching.
Kimsey-House, H., Kimsey-House, K., Sandahl, P., & Whitworth, L. (2011). Co-active Coaching.
Laloux, F. (2017). Reinventando as organizações.
Rogers, C. (2009). Tornar-se pessoa.
Rooke, D., & Tobert, W. (s.d.). Seven Transformations of Leadership. Harvard Business Review.
Steiner, R. (1912). O amor e seu significado no mundo.
Steiner, R. (1916). Carências da Alma em nossa época.
Christine Bona, Coach PCC, Facilitadora de diálogos e Formadora de facilitadores de Codesenvolvimento
Buscando sempre o novo para apoiar pessoas na descoberta e construção do caminho em direção ao seu propósito
christine@8dialogos.com.br
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