por Christine Bona e Magali Gomes
"A maior descoberta de todos os tempos é que uma pessoa pode mudar seu futuro simplesmente mudando sua atitude." Mentores podem influenciar positivamente essa mudança de atitude.”
Oprah Winfrey
É sabido que todo processo usual de mentoria nas organizações pressupõe a troca de experiência de profissionais mais experientes, chamado mentores (as), com aqueles com menos experiência, chamados mentorados (as).
Um processo valioso para o desenvolvimento dos profissionais da organização e aceleração de carreira, com objetivo de fortalecer o capital humano e em última instância garantir a sustentabilidade da organização.
Esse processo se dá através da relação que é construída entre os dois profissionais, que quanto maior confiança mais abertura para comunicação acontecer.
Um dos caminhos para fomentar essa confiança na relação é quando ambos profissionais estão dispostos a escutar atentamente, e é aí que mora o “segredo de sucesso” para que a troca e para que programas de mentorias sejam verdadeiramente uma mola propulsora de transformação e apoio emocional.
O que acontece na prática, é que muitos mentores (as) se valem do saber técnico ou de sua experiência e carreira prévia e subestimam o poder da escuta, da mesma forma o mentorado (a) que também pode não ter essa prática desenvolvida nem ter sido incentivado a desenvolver uma escuta qualificada.
Em ambos os cenários o processo de mentoria fica bem menos produtivo ou eficiente do que realmente poderia.
Segundo as pesquisas[1] sobre a eficiência do processo de mentoria, a conexão entre o mentor (a) e o mentorado (a) são fundamentais para o êxito de programas de mentoria, e isso se dá pela conexão entre os envolvidos o que permite a construção do ambiente de segurança psicológica. Por isso, compreender os aspectos da escuta no processo de mentoria se faz tão relevante.
A Eighter especialista no tema, Debora Gaudencio, em sua entrevista para o livro “Diálogo e Conexão” da também Eighter Magali Gomes Lopes, explica que “a escuta gera conexão, como se abrisse um campo para esse propósito, quando o objetivo da escuta é entender o outro”.
Otto Sharmer autor de vários livros e cofundador do “Presencing Institute” também afirma que "a verdadeira escuta é um ato de presença que nos permite conectar com a essência dos outros”, o que facilita uma comunicação mais clara e aberta entre mentor-mentorado, uma vez que a escuta atenta permite que um entenda melhor as necessidades, preocupações e objetivos do outro.
Um processo de duas mãos: ambos se sentirão valorizados e respeitados quando escutados e isso é um fermento poderoso na construção de confiança que deve pautar essa relação.
Bom, acontece que mentores (as) e mentorados (as) em sua maioria, não tiveram aulas ou práticas de escuta na faculdade ou nos cursos ao longo das suas trajetórias e “a escuta é castigada pela falta de incentivo, medo, pressa ou falta de prática” como afirma Magali através das pesquisas relatadas em seu livro.
Por isso achamos importante tomar um tempo aqui para entender melhor o que é escuta: ao tentarmos definir o que é escuta, já nos deparamos com uma série de percepções diferentes.
Usamos a palavra escuta desde o uso mais tradicional de focar apenas no som emitido até para o ato de conexão mais profunda de interação que gera transformação.
Uma das referências que gostamos e já citada acima, o autor, Otto Scharmer, no seu livro - Teoria U: como liderar pela percepção e realização do futuro emergente - propõe que nós temos quatro níveis de escuta:
• “Escuta de download” quando a gente ouve apenas para confirmar o que a gente já sabe, uma escuta mais superficial.
• “Escuta factual” quando ouvimos apenas nos atentando para os fatos e dados.
• “Escuta empática” quando ouvimos buscando entender o ponto de vista e os sentimentos do outro.
• “Escuta generativa” quando ouvimos com abertura, de forma possibilite a criação de novas possibilidades.
Para ele "a escuta é um espaço onde se cultiva a empatia e se permite que novas possibilidades surjam", aqui o processo de mentoria ganha potência, pois por mais que o mentor (a) tenha uma experiência de sucesso ou insucesso para compartilhar que sirva como uma luva para o desafio ou situação apresentada pelo mentorado (a), é preciso que novas possibilidades surjam, e um novo caminho de solução considerando aspectos já testados, ou não, emerjam.
É como se a experiência trocada pelo mentor (a) fosse apenas um ponto de partida para uma nova estrada que está se construindo tendo em vista que o mentorado (a) possui as próprias referências, fortalezas, fraquezas, medos, inseguranças e também as suas próprias referências, saberes e experiência que são igualmente importantes.
Sendo assim, embora diferentes as dimensões da escuta estejam presentes na conversa entre os envolvidos, a abertura para o novo a partir de todos se faz muito necessária e poderosa, gerando possibilidades de ações para o mentorado (a) avançar e experimentar, assim como quando ambos buscam entender o ponto de vista e os sentimentos do outro numa postura mais empática e sensível.
Uma perspectiva complementar a esta, vem do psicólogo e autor americano, amplamente conhecido por seu trabalho sobre inteligência emocional, Daniel Goleman. Para ele não se trata de apenas escutar, mas de escutar ativamente.
Ele afirma que escutar “É oferecer total atenção a uma pessoa, ouvindo-a até o fim, procurando entendê-la, ao invés de simplesmente expor uma opinião”.
Em nossa prática como consultoras desenvolvendo mentores (as) e mentorados (as) ao longo dos últimos anos, compreendemos que aqui já mora um grande desafio nos papéis estabelecidos nos programa de mentoria organizacionais, que é a premissa que o mentor (a) sabe mais que o mentorado (a), e como já diz o próprio Otto Scharmer, o “a origem no não escutar é o já saber”.
Tal atitude pode ser um ofensor à escuta dos mentores (as) e viabilizar preconceitos ou suposições, as tais soluções rápidas que acontecem sem a verdadeira escuta ou a compreensão profunda da questão trazida pelo mentorado (a).
Por isso, o mentor (a) que quer ser mais relevante no processo de mentoria, precisa ter a capacidade de suspender o “já conhecido” enquanto escuta seu mentorado (a), essa suspensão do julgamento é premissa básica para que o novo surja e para que soluções mais inovadoras e não testadas possam ter caminho livre para chegar na conversa.
Mentor “Riacho Tagarela”
Em um dos nossos atendimentos, um executivo que fazia mentoria com um colaborador da empresa em que atuava, reconheceu que tinha uma necessidade super valorizada de ser escutado, de trazer soluções, de contar suas experiências e de falar de como tinha solucionado inúmeros desafios da sua área. Era algo extremamente prazeroso para ele, ele sentia que estava sendo reconhecido, valorizado. Sua vasta experiência o conferia um saber reconhecido na organização, contudo, ele reconhecia que suas sessões de mentoria não estavam sendo as mais proveitosas. Se percebeu, como ele mesmo descreveu, como um “riacho tagarela”, que desagua todas as soluções sem ajudar o outro a refletir sobre as próprias alternativas que surgiam a partir do seu compartilhar. Ele ponderou sobre a importância do equilíbrio entre falar e ouvir em uma sessão de mentoria, e o quanto que, quando ele ouvia o mentorado, ele podia ser mais assertivo em suas contribuições e questionamentos. Percebeu também que ao escutar o mentorado ele também tinha a possibilidade de sair mais satisfeito das sessões, pois ele também tinha a possibilidade de aprender com a troca, assim o processo de mentoria se fazia mais relevante para ele também. |
Embora escutar seja uma habilidade inata do ser humano, praticar a escuta ativa, exige treinamento e, muitas vezes, mudança de comportamento.
Selecionamos 8 dicas poderosas para aumentar ao máximo a sua capacidade de escuta no processo de mentoria:
1. Dedique tempo para a pessoa com quem está conversando - de preferência deixe um intervalo para seu próximo compromisso na agenda, isso irá evitar que você saia correndo das sessões de mentoria e viabilizará que você reflita sobre seus aprendizados da sessão. Evite fatores de distração e interrupções de outras pessoas, quando muitos estímulos externos estão presentes ao nosso redor nossa habilidade para dedicar atenção precisa ser maior, então esteja em um lugar onde a sessão de mentoria pode ocorrer sem essas distrações.
2. Demonstre que está atento e que quer ouvir – aqui vale não levar o celular, computador, olhar nos olhos e ficar de frente para a pessoa. Lembre-se de escutar verdadeiramente é um ato de presença que nos permite conectar com a essência dos outros.
3. Não se antecipe às colocações e ideias enquanto ouve – nada mais chato do mentor(a) ou da mentorado (a) ser interrompido antes de concluir a ideia. Lembre-se que praticar a paciência quando o outro tem um ritmo de pensamento diferente do seu é uma virtude.
4. Construa novas ideias a partir do que foi dito e faça referências no momento da comunicação – um saber co-construído é maios poderoso do que um saber que vem de uma ponta só. Lembre-se disso quando uma ideia te parecer inadequada – o que será que tem de importante para o outro neste caminho. Evite julgar o que estão dizendo a todo momento.
5. Valorize ideias ou colocações enquanto ouve – o reconhecimento pode partir das duas pontas. Todos nós gostamos de ser reconhecidos e valorizados, essa prática aumentará a confiança entre vocês. Use e abuse. Evite comparações com o seu próprio ponto de vista ou com outras pessoas.
6. Resuma de alguma forma o que a pessoa disse – essa é uma prática poderosa para checar compreensão e também para criar conexão. Lembre-se não precisamos concordar, apenas compreender!
7. Faça perguntas – perguntas são poderosas para ampliar perspectivas, criar possibilidades, gerar mais aprofundamento sobre a questão. Fique bom em fazer perguntas que as conversas serão ainda mais proveitosas, elas também te ajudarão a praticar ainda mais o processo de escuta atenta.
8. Se abra para o novo - evite ficar pensando no que vai responder em seguida e concentre-se no que a pessoa está dizendo.
Acreditamos que programa de mentoria em organizações faz parte de uma cultura de aprendizado, e é um processo que beneficia a todos os envolvidos, por isso, quanto mais você se dedica para que a relação de confiança através de uma escuta atenciosa mais ganhos você promoverá para si mesmo. O nosso convite é que a cada sessão de troca entre mentor (a) e mentorado (a) essa escuta seja ainda mais presente. Boas escutas!
Christine Bona – é facilitadora de diálogos e mentora. Desenvolve programas de mentoria em organizações, buscando sempre o novo para apoiar pessoas na descoberta e construção do caminho em direção ao seu propósito.
Magali Gomes - é autora, facilitadora de diálogos e mentora. Ajuda organizações a implementar programa de mentoria, capacitando mentores (as) mentorados (as) em habilidades essenciais da natureza humana que os ajudam a ter trocas mais relevantes ao longo dos programas.
Bibliografia
[1] SAP_Why Mentors Matter_ A Summary of 30 Years of Research |Brandman_The Unmistakable Benefits of a Mentor Program for both Employers and Employees
Goleman, D. (2016). Inteligência Social: o poder das relações humanas. Campus.
Gomes Lopes, M. (2023). Diálogo e Conexão. Jandaíra.
Ronsoni, M. (2018). Mentoria Organizacional. Primavera.
Scharmer, C. O. (2010). Teoria U (1 ed.). Elsevier. [voltar]
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