Desafio: palavra que a maioria das pessoas adota como uma forma amena para falar sobre dificuldades e obstáculos, mas também como forma de impulsionar a si mesmo pela busca de resultados diferentes.
Em linhas gerais, há uma visão de que desafios nos movem, desafios sobem patamar, geram promoções e oportunidades. Porém, há também desafios que dão medo e paralisam.
Afinal, nem toda pessoa tem repertório suficiente para lidar com a crise global instalada e está tudo bem. Estamos aprendendo juntos. Assim, o lugar de escrita que cabe neste texto é o do não saber e do que posso fazer.
Para isso, primeiro, precisamos entender que o trabalho tem um significado importante na vida das pessoas. A ação de trabalhar dá ao homem uma parte de sua construção de identidade e um papel social. Logo, quando essa pandemia chegou, a relação com o trabalho foi modificada em alguns aspectos.
Depois, precisamos entender que a pós pandemia não está tão perto assim de acabar. Então esperar para tomar ações concretas de mudança após um período que nem sabemos quando chegará e com quais condições, é uma atitude de deixar para um futuro incerto responsabilidades que estão no alcance do hoje.
O que sabemos até agora:
Não há uma medicação específica para o tratamento;
Não há previsão de uma vacina para erradicar a doença;
Não sabemos quando voltaremos “de fato” a normalidade e que tipo de normalidade nos espera.
Podemos olhar e criar cenários nas seguintes perspectivas:
O que posso fazer agora;
O que posso fazer quando começarem a flexibilizar o isolamento;
Depois da reabertura total, que realidade posso esperar;
Como me preparar para tudo isso.
Alguns sinais já foram dados durante este isolamento:
Trabalho remoto: resistências sobre o trabalho remoto, se daria certo ou não, se haveria adesão, se a produtividade teria impacto. Isso já se mostrou viável, tanto que algumas empresas já adotaram o modelo como definitivo até o final do ano, ou seja, as pessoas só retornarão para o trabalho presencial no ano que vem.
Para o trabalho remoto dar certo deve haver confiança na relação líder e liderado, autogestão e disciplina. A partir do momento que estamos trabalhando fisicamente isolados, a autogestão se faz necessária para continuar as entregas da rotina e de projetos. Caso você tenha dificuldade em priorizar o que deve ser feito e como deve ser entregue, é importante que você converse com o seu gestor, o quanto antes. Estamos em um momento de aprendizado coletivo, e ter esse tipo de conversa faz parte deste processo.
Existem na internet e de graça, diversos e-books e guias de como trabalhar com eficiência de forma remota. A iniciativa de buscar ajuda, passa também pela busca de novos conhecimentos.
Antes da pandemia, essa modalidade era tendência e agora é uma realidade que veio para ficar, e o quanto antes você conseguir se adaptar a este estilo melhor, mas se tiver dificuldades, converse também sobre isso. Busque apoio e práticas que estejam alinhadas ao seu estilo de trabalho.
Dinâmica pessoal e profissional: No caso de quem está trabalhando remoto, definir os papéis pessoais e profissionais têm sido um desafio. Do ponto de vista psicológico é saudável algum tipo de divisão destes papéis, o que gera ansiedade muitas vezes é a tentativa de fundir esses papéis em um só na falsa ilusão de que trabalho e casa são uma única coisa.
Assim, para quem está trabalhando de casa, é importante checar a possibilidade de manter um espaço fixo dedicado ao trabalho, isso já dá uma diferenciação física e ajuda a manter a condição psicológica do “momento de trabalho”.
Algumas atitudes relacionadas às características pessoais ficam mais evidentes neste contexto:
Autoconhecimento – praticar o exercício da autoanálise. Fazer auto avaliações constantes, buscar avaliações de pares, superiores e amigos. Precisamos nos acostumar aos feedbacks em tempo real. Esse mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo) pede de nós ação, ou seja, se tentar e errar, corrigir a rota rapidamente e principalmente, aprender com o erro. Esta é máxima do mundo digital e que podemos trazer para o autodesenvolvimento.
Inteligência emocional – saber reconhecer suas próprias emoções e dos outros, escutar genuinamente, aprender a lidar com essas emoções: positivas e negativas e encontrar coragem na vulnerabilidade. Tudo isso, faz parte da Inteligência Emocional, apontada com uma das principais competências do futuro.
Assertividade na comunicação – no online perdemos a conexão rapidamente. Não temos a presença física, que nos ajuda a criar um campo de conexão. Prepare-se para participar deste mundo virtual, escutando as suas necessidades também. Que tipo de conexão você consegue estabelecer com essas pessoas no virtual? Como se preparar para não perder a atenção? Aqui é desconectar para se conectar com uma tela, cheia de outros seres humanos, que merecem e honram pela sua atenção.
Só sei que nada sei - O quão confortável você fica com a situação do não saber? De não ter as respostas para tudo? De construir um futuro com bases muito frágeis?
De certa maneira, fomos criados para termos resposta para tudo. Todo o sistema de recompensa da escola até a organização é baseado na resposta certa, ao encarar o erro como fracasso e não tentativa de acerto.
De todas, essa é a mudança de modelo mental mais necessária e mais difícil, abrir espaço na mente e no coração para o NÃO SEI, VOU PENSAR, VOU PEGUNTAR PARA ALGUÉM QUE SABE MAIS DO QUE EU. A abertura desse espaço, muitas vezes, pode doer na alma e no ego, mas abre espaço para a colaboração, que é muito mais satisfatória e perene.
Aprendizado contínuo – Ainda em linha com o nada sei, o aprendizado ocorre por toda a vida e não apenas em um período escolar específico. O adulto aprende, principalmente, através de experiências práticas, pelo entendimento da real necessidade do conhecimento e pela motivação em aprender algo relevante que pode ser aplicado, entre outros fatores apontados pela andragogia.
Ainda existe uma percepção de que investimento no desenvolvimento, necessariamente envolve dinheiro e em parte isso é verdade, há ações que precisam de investimento financeiro. Porém, há outras ações que podem ser facilmente desenvolvidas sem custo direto, com investimento de tempo e dedicação.
Você pode buscar conhecimento por meio da aprendizagem informal, que é um modelo não institucional e não programado. É o aprendizado conforme a necessidade ou demanda com enfoque na troca de experiências. Exemplos da aprendizagem informal são participações em reuniões, participação em projetos, podcasts, leitura de livros e artigos, comunidades de prática, observação de outras pessoas, entre outros.
Para que a aprendizagem informal dê certo, é importante ter foco na aprendizagem e entender o que se espera como resultado daquela ação. Por isso, tenha clareza dos objetivos de desenvolvimento e resultados que se quer alcançar para não se sobrecarregar com temas que podem esperar mais um pouco. Foco e acompanhamento destes objetivos são fundamentais.
Enfim, os desafios e incertezas sempre existiram e sempre existirão. Os aprendizados através das situações adversas também.
Lembrar, se possível, do que você precisa fazer hoje, no tempo presente, que é o momento que nos cabe no agora, pode ajudar a sair da angústia do pensar fixamente no futuro.
Minha reflexão, é que talvez, havia uma ideia de que houvesse certo controle sobre situações e eventos, parecia que as coisas estavam mais “na mão”. As crises até então tinham uma certa concretude, eram por escassez de recursos naturais, dinheiro, território, questões políticas. E também, tinham um certo ar de externo e indireto, as coisas acontecem “fora de mim”, em outro país.
Entretanto, o que vivemos é invisível e acontece com pessoas, e tiram de nós, as certezas, as defesas, os sonhos, planos e ideias, pois ataca diretamente o que é de mais precioso que temos, que é a vida.
Saber que tudo que está acontecendo é complexo, triste e difícil, mas é necessário. Viver negando a realidade traz mais sofrimento no longo prazo e nos aliena como ser humano e como ser social.
O convite que fica é o como você quer olhar para você hoje e para os desafios e as novas necessidades que chegaram na sua vida e no seu trabalho:
Serão obstáculos ou oportunidades?
Que tipo de ajuda você precisa neste momento?
A quem você pode recorrer?
Como você pode construir um futuro com poucos dados concretos?
Michele Crevelaro é Psicóloga, Coach e Membro da Eight∞ Diálogos Transformadores, apoia o desenvolvimento humano por meio da autoconsciência.
Sempre gostou de estar em contato com pessoas e escutar suas histórias de vida e acredita que todas as respostas estão dentro de nós. Em 2019, fez sua transição de carreira, abrindo novos horizontes profissionais em que pudesse impactar positivamente pessoas e organizações de uma outra perspectiva.