top of page
  • Foto do escritorMagali

A arte de fazer perguntas!

Atualizado: 8 de abr.


"Uma pergunta não feita é uma porta não aberta"

Marilee Goldberg

Imagine uma sala grande com várias portas de cores diferentes, fechaduras diferentes, cada uma com um estilo próprio, cada porta pode dar em um lugar novo com perspectivas diferentes, cenários novos e horizontes não imaginados. Imaginou? Então, uma pergunta que não é feita é como uma porta que não é aberta. Fazer uma boa pergunta é como a escolha da porta que se quer abrir.


É interessante pensar na ideia de que tudo que existe foi inicialmente criado a partir de uma pergunta, não é mesmo?! As pequenas e grandes invenções foram, antes de mais nada, perguntas. Portas que foram abertas. O próprio Einstein tem uma frase que diz: “Se eu tivesse uma hora para resolver um problema e minha vida dependesse da solução, eu passaria os primeiros 55 minutos a determinar a pergunta certa a ser feita, uma vez que eu soubesse a questão propriamente dita, eu poderia resolver o problema em menos de cinco minutos.” Sim! Formular a pergunta certa era a premissa de Einstein e de muitos outros pesquisadores, inventores ou ganhadores de prêmios Nobel, que revelaram que o momento de suas descobertas, dito como momento “Eureka”, foram aqueles onde a pergunta “certa” foi descoberta.


Da pergunta “Como o Universo pareceria se eu estivesse percorrendo o final de um feixe luminoso na velocidade da luz?” surgiu a teoria da relatividade de Einstein. Da pergunta “Onde posso obter um bom hambúrguer na estrada?” motivou o empresário americano Ray Kroc a criar o McDonalds. A filha do Edwin Land fez a ele uma pergunta que o levou a criar a câmera Polaroid: “Por que você não pode me dar a foto que você acabou de tirar?”. Perguntar-se “Por que aquela maçã caiu na minha cabeça?” levou à física de Isaac Newton. E se Steve Jobs não tivesse se perguntado “Por que o computador tem um ventilador?” e “Como manter um computador fresco sem um ventilador?” a Apple Computer como nós conhecemos não teria sido criada. Os exemplos são muitos e muitas outras perguntas motivaram vários outros empresários, cientistas, físicos ou pessoas comuns a criarem coisas maravilhosas. As perguntas “Como resolver a crise climática?”, “Como a humanidade impacta o oceano?” ou “Podemos mudar o padrão de uso de água?” foram algumas das várias presentes nos fóruns do prêmio Nobel 2018 e muitas outras são discutidas em nosso cotidiano. Formular uma pergunta ou uma série de perguntas, criar um ambiente perguntativo sobre algo que desperte o interesse ou que nos preocupa profundamente ou, ainda, que nos levaria a aprender algo novo, são algumas das razões para que os questionamentos sejam feitos e um motivo de sobra para olharmos as perguntas como algo relevante e merecedor de nossa atenção.


Que tal refletir?

Quanto tempo você tem investido para formular a pergunta certa? Que importância tem as perguntas para você?



ONDE TUDO COMEÇA!

Não daria para falarmos de perguntas sem considerarmos nossos primeiros anos de vida. Mais especificamente no nosso primeiro setênio (do zero aos sete anos de vida), quando estamos na fase de descobertas, de aprendizados. Há quem diga que as crianças de certa idade são crianças “chatas”, pois perguntam tudo. Fazem uma pergunta atrás da outra e é preciso ter paciência. Mas os questionamentos começam muito antes. Nascemos com a característica de descobrir o mundo ao redor. Derrubamos algo que está em cima da mesa, por exemplo, porque queremos saber o que irá acontecer. Aí a mãe fala: “não derruba” e a criança faz o quê? Derruba novamente e derruba de novo. Colocamos o dedo na tomada, pois ali está o desconhecido; tem um buraquinho e queremos saber o que existe lá dentro; jogamos pedras no vidro, pois faz barulho. O que será que acontece se eu jogar...? Estes são movimentos de aprendizado e sinapses que o cérebro da criança faz. Como se as perguntas fossem: “O que acontece se eu derrubar novamente? E de novo? E de novo? E ah, só mais uma vez?”. São mais de 700 a 1000 novas conexões sinápticas por segundo, por isso a primeira infância está muito relacionada ao brincar, à imaginação, às possibilidades. Isso faz com que as crianças sejam consideradas “inovadoras originais do mundo”. São nossos grandes cientistas — elas empiricamente questionam o mundo o tempo todo e não possuem pressupostos ou pré-julgamentos que as fazem parar. O pai de uma amiga já dizia “uma folha em branco” e a cada nova descoberta, uma nova pincelada vai aparecendo. Ao longo do tempo, o contexto em que estamos inseridos vai nos trazendo para uma realidade onde os questionamentos vão deixando de ser possíveis. Por exemplo: quantas perguntas em provas você já respondeu sobre: “procure a pergunta correta para:?”.


Confesso que não me lembro de ter vivido nenhuma prova com essa pergunta na vida e, possivelmente, você também não. Nosso sistema educacional, em sua grande parte, ainda foca mais na memorização e nas respostas prontas do que na arte de procurar novas possibilidades. Raramente somos convidados a descobrir perguntas poderosas, nem somos ensinados porque devemos fazer perguntas em primeiro lugar. Testes, exames e testes de aptidão - todos ainda reforçam o valor de respostas corretas. Até podemos reconhecer que existem algumas iniciativas de escolas que já perceberam a importância das perguntas e de um sistema educacional mais participativo, que privilegia a curiosidade e interesse do indivíduo. Contudo, infelizmente, estamos muito longe de ter esse acesso para a grande maioria da população na maior parte dos países do mundo, e estamos fadados a nos moldar a essa estranha realidade.

E NAS ORGANIZAÇÕES?

Como as organizações são a extensão do contexto em que vivemos, levamos a cultura de “ter respostas para tudo” para dentro das empresas em que atuamos. Ao longo da minha carreira trabalhando com grupos e com técnicas de resolução de problemas, tendo como base perguntas, fica claro o quanto ficamos desconfortáveis com o “não saber”.

Nos sentimos na obrigação de ter respostas para tudo e isso se intensifica quando estamos em cargo de liderança ou especialista.

Outro aspecto é o fato de a cultura de perguntar não ser regra básica, ponto de partida para a resolução de problemas, processos, relações e nas organizações de maneira geral. Não questionamos e apenas entramos e saímos de reuniões sem saber os motivos que nos levaram até lá e o que se esperava de nós. Convivemos com clientes, mas não sabemos o que eles esperam de nós ou o que eles acham das nossas campanhas ou produtos. Queremos ter melhores resultados trabalhando com outras áreas, mas não nos perguntamos “o que podemos fazer melhor para atuar em colaboração?”. Convivemos com gestores com dificuldades com suas equipes, mas as perguntas: “Qual o principal interesse da sua equipe para continuar no trabalho?”, “qual é o objetivo deles para o futuro?”, “alguém aqui tem esse tipo de problema?”, “como você reconhece quem se destaca?”, não foram feitas. Os consultores Juanita Brown David Isaacs e Eric E. Vogt, afirmaram em um artigo que “a utilidade do conhecimento que adquirimos e a eficácia das ações que tomamos dependem da qualidade das perguntas que fazemos”.


Sendo assim, da mesma forma que as perguntas dos cientistas geram novas descobertas para o mundo ou para parte dele, as boas perguntas geram para as empresas melhores resultados, mais inovações, clientes mais satisfeitos e mais próximos, entre outras coisas:

  • Favorecem a resolução de problemas complexos;

  • Ajudam a descobrir o real problema a ser resolvido;

  • Incitam a curiosidade organizacional e desafiam o status quo;

  • Desenvolvem habilidades de análise, síntese, avaliação e criação;

  • Incentivam a consideração de diferentes pontos de vista e experiências;

  • Desafiam pensando, a solução proposta, em vez de sufocá-lo, achar que já está resolvido;

  • Inspiram a aplicação do conhecimento de formas novas e inovadoras;

  • Ajudam a desenhar experiências pessoais e novas perspectivas;

  • Favorecem a colaboração entre pessoas e áreas;

  • Constroem comunidades fortes;

  • Desenvolvem líderes e equipes mais autônomas;

  • Apoiam o desenvolvimento de novos produtos e serviços;

  • Geram maior relacionamento com clientes e parceiros;

  • Estimulam novas formas de pensar e novos padrões para serem seguidos;

  • Perguntas geram mais perguntas.


A lista vai longe e com certeza não abrangeria todas as possibilidades. Em um aspecto mais profundo e com um viés socrático, Dr. Linda Elder, e o Dr. Richard Paul, autoridades no pensamento crítico, afirmam que “a qualidade de nossas vidas é determinada pela qualidade de nosso pensamento. A qualidade de nosso pensamento, por sua vez, é determinada pela qualidade de nossas perguntas, porque as perguntas são o motor, a força motriz por trás do pensamento. Sem perguntas, não temos nada para pensar. Sem questões essenciais, muitas vezes não podemos focar o nosso pensamento sobre o significativo e substancial”. Sendo assim, precisamos desenvolver nossas habilidades de questionamento para sair da superficialidade e gerar resultados mais substanciais, organizacionalmente falando.

Que tal refletir?

  • Qual relevância estamos dando para as perguntas que fazemos para gerarmos melhores resultados?

  • Qual incentivo você tem oferecido às perguntas feitas pelas crianças?

  • O ambiente em que você está convivendo favorece as perguntas?

  • Como você tem usado as perguntas no seu ambiente de trabalho?


MAS O QUE FAZ UMA PERGUNTA SER PODEROSA?

Perguntar nos serve para muitos propósitos, isso já falamos, mas será que todas as perguntas são iguais? Existem muitos tipos de perguntas com estruturas diferentes e propósitos ou intenções diferentes. Compreender as diferenças entre uma pergunta exploratória e uma imaginativa, por exemplo, pode ajudar na capacidade de compreensão, criação de estratégias ou tomada de ações específicas e mais efetivas. Podemos falar a respeito da estrutura das perguntas: se é uma pergunta aberta, fechada ou de escala. “Como foi seu dia?”, “Qual sua cor favorita?”, “Que tipo de comida você mais gosta?” ou “Quais seriam os melhores resultados se tomássemos essa ação?”, são exemplos de perguntas que chamamos de perguntas abertas - aquelas que oferecem, pra quem responde, muita liberdade para decidir como responder. Pensar que as perguntas podem começar com O que? Como? Onde? Quando? De que forma? Quem? Por que? pode ajudar a estruturar uma boa pergunta aberta. Já ao contrário, seria uma pergunta fechada aquela que restringe as possíveis respostas, como: “Quantas pessoas serão afetadas com essa decisão?”, “Você concorda com essa decisão?”, “Onde você estava às 18h ontem?”. Uma outra estrutura de perguntas que ajuda a ter maior entendimento do que um simples “sim” ou “não” para uma resposta são as perguntas de escala. Elas oferecem uma escala, por exemplo: de 1 a 10, moderado, frequente, muito frequente ou nunca. Alguns exemplos: de 1 a 10 qual a dor que você sente? De 1 a 10 como você se sente em relação a essa situação sendo 10 muito mal? Quando iniciamos os trabalhos com grupos e o exercício das perguntas abertas e fechadas, percebemos que as pessoas possuem uma tendência de achar que a “melhor” pergunta é a de estrutura aberta. No entanto, eu sempre digo que uma pergunta fechada também pode ser muito poderosa, pois ela pode ajudar a eliminar os pressupostos já estabelecidos por você e que podem impedir de abrir novas portas e fazer novas perguntas. Perguntas como: Você quis dizer isso? Entendi correto aquilo? Quer seguir por esse caminho ou aquele? são poderosas se utilizadas no momento e com a intenção certa.


Numa perspectiva mais completa sobre as intenções e objetivos das perguntas, podemos elencar outros exemplos: “Como você está se sentindo em deixar esse emprego?” ou “Qual sentimento isso gera?” ou “Como isso te afeta emocionalmente?” são perguntas que refletem e encorajam o compartilhamento de sentimento. São as chamadas pergunta afetivas.


Uma outra categoria que encoraja uma mudança de atenção da resposta superficial ou automática para uma análise mais profunda, com maior significado, são as perguntas de caráter reflexivo, tais como: “Qual a sua crença sobre X?”, “Como você reage a X?”, “Em que você acredita fortemente?”.


Já a pergunta Investigativa esclarece e desafia pressupostos básicos, geralmente aquilo que já acreditamos saber e que sempre foi feito dessa forma. Ou seja, perguntar “qual a razão deste procedimento ser desta forma?” , faz com que tenhamos que investigar as razões do procedimento ter sido sempre assim, desafia o que já está sendo feito e como está sendo feito.


Se evoluirmos e questionarmos sobre “O que mais pode ser feito em relação ao procedimento? ou “Quais as possibilidades para se fazer esse mesmo procedimento?”, passamos para uma intenção mais exploratória, que abre novas escolhas e insights que nos levam a novas possibilidades, inclusive.


Ainda podemos falar das perguntas que criam conexões, que rastreiam as interações interdependentes entre subsistemas organizacionais, como: “Quem mais seria impactado por esta ação? ou “Quais áreas estão envolvidas nesse projeto?”.


Há, ainda, as perguntas esclarecedoras, que melhoram a clareza da mensagem ou declaração, gerando maior entendimento de algo: “O que significa ser líder para você?" Há perguntas analíticas examinam causa e efeito, não apenas sintomas. Exemplo: “Há quanto tempo isto vem ocorrendo?”, “Desde quando você enfrenta esse desafio?”

Uma boa pergunta pode ajudar a explorar ambiente, meta, comportamento, ações e reações, capacidades, conhecimento, competências, estratégias, valores, atitudes, necessidades, propósito, identidade, papel social entre outras coisas.

Agora, imagine um grande balde de tinta, com algumas cores dentro, você está com um cabo de madeira na mão com uma ponta dentro do balde e começa a mexer a tinta. Seja qual for a estrutura ou a intenção da sua pergunta, uma pergunta poderosa é sempre aquela que mistura as cores das tintas no balde e abre pra novas possibilidades de cores ou até constatação de novas cores. Por isso digo que fazer boas perguntas é uma arte. Assim como escolher a tinta certa para um quadro, relacionar-se perguntando de forma mais efetiva pode gerar resultados e construir relações surpreendentes.

Que tal exercitar?

Reflita sobre um desafio que você está vivendo e faça suas próprias perguntas:

1. Pergunta aberta

2. Pergunta fechada 3. Pergunta de escala


4. Pergunta afetiva

5. Pergunta reflexiva

6. Pergunta investigativa

7. Pergunta que cria conexão

9. Pergunta exploratória

8. Pergunta esclarecedora

10. Pergunta analítica


PERGUNTO, LOGO ESCUTO A RESPOSTA!

De qualquer forma, não apenas a estrutura ou intenção das perguntas fazem delas o que chamamos de perguntas poderosas. Obviamente, toda pergunta pressupõe uma resposta, e terminar essa explanação sem falar da importância de estar aberto para as respostas seria um equívoco.


Percebo diariamente em minha prática como consultora e facilitadora de conversas que muitas vezes as pessoas fazem perguntas, mas não estão disponíveis para escutar as respostas. Ou estão com seus pressupostos tão aflorados que a única coisa que eles conseguem escutar são seus próprios pensamentos.


Procure fazer esse exercício: tente conversar com uma outra pessoa por 2 minutos ao mesmo tempo sobre algum tema do seu interesse. Risadas, agonia, nervosismo, distração... Você verá quão insuportável e impraticável poderia ser. O mesmo acontece quando você faz uma pergunta para alguém e fica conversando com seus próprios pensamentos.


Muitas vezes passamos horas conversando com nossos pensamentos, fazendo perguntas que buscam única e exclusivamente confirmar nossos próprios pressupostos e não estamos abertos para ouvir atentamente a resposta do outro que poderia, inclusive, nos levar a lugares não sabidos anteriormente. Costumo dizer que o “já saber” inibe nossas descobertas e limita novas iniciativas. Por isso, uma escuta ativa e uma mente aberta podem potencializar ainda mais o resultado que uma boa pergunta pode gerar. É da natureza humana a necessidade de se sentir percebido, considerado, consultado e as perguntas fazem a vez para que isso aconteça. Então, quando você faz uma pergunta para alguém, automaticamente você a está considerando, significa que sua opinião, ou resposta importam e são relevantes e para que isso aconteça de fato, é importante que haja atenção na resposta. No artigo da Harvard Business Review, The Power of Listening in Helping People Change, escrito por Guy Itzchakov e Avraham N. (Avi) Kluge, é afirmado que ouvir tem seus inimigos e uma das dicas que oferecem é: “ouvir parece um músculo. Requer treinamento, persistência, esforço e mais importante, a intenção de se tornar um bom ouvinte”. Dar atenção completa, não ter distração como eletrônicos por perto, não interromper e ouvir até o final, não julgar ou avaliar, é o mínimo para que haja uma boa escuta, quando se tem uma pergunta a ser respondida. Afinal, boas respostas geram novas e melhores perguntas, mas é preciso estar atento para que isso se efetive.


Que tal refletir?

De 1 a 10 o quanto você tem sido um bom ouvinte? Em qual lugar suas convicções são colocadas quando você está fazendo uma pergunta? Qual foi a pergunta mais importante que você respondeu na vida? Qual pergunta hoje está pairando sobre sua mente?

Por fim, perguntar não é trivial, é uma arte, e assim como toda arte, exige atenção, treino, observação, intenção. Quanto melhor pergunto melhor me relaciono com o mundo e com as pessoas, tarefas, projetos. Quais perguntas você ainda não se fez?

Referências

• The Miniature Guide to the Art of Asking Essential Questions Dr. Linda Elder and Dr. Richard Paul The Foundation for Critical Thinking

• The DNA of Disruptive innovators Harvard Business Review Press Jeff Dyer, Hal Gregersen e Clayton M. Christensen

• A arte das perguntas poderosas Catalizando descobertas, inovação e ação Eric E. Vogt, Juanita Brown, David Isaacs

• Leading with questions Michael J. Marquardt • Optimizing the Power of Action Learning Michael J. Marquardt, Shannon Banks, Peter Cauweller & Choon Seng Ng


Magali Lopes é facilitadora de conversas, consultora, coach membro da ICF – International Coach Federation. Co-fundadora da Eight • Formada psicóloga, é apaixonada por questionamentos e faz pesquisas relacionadas ao tema. Facilita programas com base em diálogos transformadores e resolução de problemas complexos. É Professional Coach (PALC) em Action Learning, uma metodologia de resolução de problemas complexos por meio da colaboração e perguntas.

bottom of page