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Jandyra e Amadeu Colombo

Atualizado: 4 de abr.


Hoje levei o carro para a revisão. E na saída resolvi passar no cemitério para visitar o túmulo do meu pai. Percebi que sempre que preciso renovar algumas peças do meu viver e trocar o óleo pesado que embaça a fé do meu coração de vez em quando, eu dou uma passada lá.

Sempre achei cemitérios lugares de muita paz. E bonitos, até. Nesse, logo na entrada, tem uma alameda comprida bem arborizada. O dia estava quente e o céu limpo. O silêncio do lugar me fez sentir quase que numa outra dimensão mesmo.

As ruas do cemitério são identificadas por números e letras. E eu nunca lembro. Enquanto vou andando meio perdida vou observando flores, fotos, formas e imaginando quem era cada ser, como vivia cada família…

Finalmente chego ao túmulo do meu pai.

Chorei a saudade Chorei o medo Chorei o não saber

Esses dois últimos em função de uma escolha profissional recente que fiz e que está me colocando cara a cara com minhas resistências e sombras. E que está pedindo de mim fé e coragem. Está me convidando a deixar ir crenças e atitudes que limitam minhas possibilidades e a fortalecer meu confiar no caminho do amor.

O passarinho cantou forte sobre a árvore que fazia sombra em minha cabeça. E me trouxe de volta ali. Me despedi do meu pai (sei que ele não está ali, está ao meu lado o tempo todo. Mas ali é como se fosse nosso lugar secreto, em que ficamos a sós) e fui tomando o rumo de volta.

No caminho tinha uma espécie de poço de concreto com uma torneira aberta. A água transbordava. Ninguém ao redor. Me pareceu certo fechar a torneira. Mas talvez não fosse. Talvez alguém a estivesse usando e eu não vi. Talvez a água precisasse daquela vazão. Eu tomei a decisão baseada nos meus referenciais. Pensando no melhor. E assim sempre será. Ter o certo como objetivo — ou, de outra forma, ter medo do erro — apenas vai me deixar no mesmo lugar.

O vai e vém pelas ruas do cemitério me fez lembrar que a morte é, de fato, o único destino certo e indubitável de todos nós. Mas isso não é triste não. Me faz querer viver o que é verdadeiro pra mim enquanto estiver pelas bandas de cá (ainda que não seja assim tão fácil). E me faz também lembrar que a caminhada serve para continuar caminhando.

Tomando o rumo de saída encontrei um outro túmulo de que sempre gostei por ter nele uma poesia. Era do Amadeu Colombo para sua amada Jandyra. Ela está na foto que ilustra esse texto. Mais uns passos e encontro um pequeno totem com uma tomada. Assim, no meio do nada.

Talvez seja para a Jandyra, o Amadeu, meu pai e toda a turma carregarem seus celulares. Afinal não pode faltar uma boa playlist do spotify para os saraus que acontecem ali enquanto a cidade dorme. E eles, boêmios e já sem nenhuma preocupação mais, riem de nossa travessia por aqui, em que tentamos aprender a ver poesia onde nosso olhar não está tão acostumado.

Ana Paula Coscrato dos Santos é artista, pesquisadora independente, coach e facilitadora de grupos. E anda por aí procurando e exercitando novas formas de ver e viver a vida, com mais amor, consciência, equilíbrio e espiritualidade.

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