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Foto do escritorMagali Gomes

A solidão do topo

Atualizado: 3 de abr.



“É um trabalho meio solitário”, disse Tim Cook sobre a posição que ocupa. Ele se tornou CEO da Apple em 2011, quando Steve Jobs se afastou para cuidar da saúde. A ideia inicial era que o fundador da empresa estaria por perto, como chairman. No entanto, o câncer de Jobs, em estágio avançado, o levou em poucas semanas. Para Cook, a solidão do topo não tem nada a ver com substituir um dos homens de negócios mais inovadores de todos os tempos. E ele tem razão.


Pesquisa da Harvard Business Review (HBR) já confirmou que esse sentimento é experimentado por, pelo menos, metade dos CEOs, além de outras figuras de autoridade. “A máxima de que é solitário - o trabalho do CEO é solitário - é apropriada de várias maneiras. Não estou procurando nenhuma simpatia. Você tem que reconhecer que tem pontos cegos. Todos nós temos”, explicou o executivo da Apple ao Washington Post.


Antônio Ermírio de Moraes, um dos líderes empresariais mais inspiradores que o Brasil já teve, costumava dizer que “responder ‘não sei’ é uma das coisas mais difíceis de se aprender na vida corporativa.” É preciso mesmo ter muita coragem para se colocar nesse lugar de vulnerabilidade, de não ser “o dono da verdade”. A pressão é ainda maior sobre CEOs, CFOs, CIOs e demais integrantes do chamado C-Suite, que precisam ter respostas para tudo, implementar estratégias bem-sucedidas, criar equipes vencedoras, apresentar resultados efetivos para todos os stakeholders e, como embaixadores da marca, servir como exemplo e como guia. Exagero?


Se você acha que no Brasil isso é diferente, saiba não é. 77% dos brasileiros ouvidos pelo Edelman Trust Barometer 2019, estudo realizado em 27 países, disseram ter mais confiança no CEO da empresa onde trabalha do que no governo e nas demais instituições, como imprensa e ONGs. Já parou pensar na responsabilidade e, por que não, no peso disso?


Nas rodas de conversas que tenho com altos executivos, muitos deles se queixam do mesmo isolamento descrito acima. Reivindicar mais humanização nas empresas também passa por reconhecer que a liderança é composta por seres humanos e, como tal, cheios de vulnerabilidades. Essa palavra é definida por Brené Brown, uma das principais pesquisadoras do assunto, da seguinte maneira: “vulnerabilidade é a sensação que temos durante momentos de incerteza, risco ou exposição emocional”.


De forma prática, isso significa que o CEO experimenta sentimentos como qualquer outro ser humano, independente da profissão ou do cargo que ocupa. Medo, por exemplo, é uma palavra praticamente proibida no mundo corporativo, mas isso não quer dizer que não exista ou que o CEO, o CFO ou o CMO não sinta. Ele ou ela pode, sim, se sentir extremamente inseguro diante de uma grande decisão, de um discurso público ou de um evento extraordinário, como a pandemia do coronavírus.


Esse ano, a Eight∞ Diálogos Transformadores lançou um programa em que os dilemas são o foco das conversas. Eu e Eva Hirsch Pontes da Phoenix Coach, Master Certified Coach pela ICF e, anteriormente, executiva e membro de Conselho de Administração, resolvemos facilitar esse caminho para o C-Suite brasileiro e criar grupos para atacar a solidão e o sentimento de sobrecarga dos executivos nas posições de comando nas organizações. Mais do que ajudá-los a alavancar sua performance (já que aquele estudo da HBR também demonstrou que o desempenho é afetado pelo isolamento), o objetivo é, através de um processo estruturado de diálogo, ampliar a visão em torno de um problema e promover a aprendizagem contínua.


Para tanto, nós formamos um grupo seleto, formado por seis a oito executivos com o mesmo nível de complexidade e autonomia. Durante dois meses, esse time se reúne quinzenalmente, durante duas horas, para discutir dilemas do C-Suite. Em um primeiro momento, pode ser estranho ou até desconfortável falar abertamente de desafios e sentimentos ou de fazer perguntas até então restritas à própria mente, como:

  • Será que estou no caminho certo?

  • Quais são os impactos de uma decisão errada?

  • Estou ousando ou me protegendo?

  • Curto ou longo prazo?

  • Como melhorar minha relação com o Conselho de Administração e pedir mais apoio e suporte deles?

  • Como desenvolver meu sucessor ou minha equipe?

O diferencial está, justamente, na cumplicidade criada pelo grupo e na forma de facilitação. “Posições de liderança podem ser bastante solitárias, e o programa oferece um espaço para discussões de soluções com muita empatia, generosidade e criatividade”, comentou a Vice-Presidente Sênior da Argus para a América Latina, Vanessa Viola, que participou do “Dilemas Em Foco”.


A diversidade – não só de gêneros, mas também de setores – é um dos pontos levados em consideração na formação dos grupos. Além disso, a cada encontro, a problemática de um dos integrantes é colocada em discussão, depois de um alinhamento individual com as facilitadores para definir melhor os contornos da questão e a forma de apresentar isso ao grupo. Para J. Gonçalves, presidente da Ihara no Brasil, outro participante do programa, essa entrevista de preparação foi “fundamental para localizar o real problema”. Para ele, o principal ganho foi “mais autopercepção e autorreflexão para a tomada de melhores decisões.”

O “Dilemas Em Foco” segue o método de Co-desenvolvimento (Codev), uma abordagem colaborativa que estimula o uso da inteligência coletiva, para trabalhar o dilema. Nesse momento, muitos executivos “se veem” no problema enfrentado pelo colega, ainda que de outra empresa, com características completamente diferente das suas. O ambiente seguro, de confiança e empatia, é fundamental para expor as dificuldades e disfuncionalidades. Um participante chegou a dizer que a recompensa de se colocar nesse lugar de vulnerabilidade é encontrar novos caminhos. Para o Vice-Presidente da Conservação Internacional (CI-Brasil) Maurício Bianco, “nesse momento coletivo, as possibilidades para soluções concretas e efetivas se abrem, trazendo pontos de vista complementares, que contribuem para uma liderança mais completa e plural.”


De forma prática, o programa aporta vários benefícios ao C-Suite - entre eles:

  • Momento de pausa para reflexão das questões importantes da sua gestão;

  • Aprender a refletir antes de agir;

  • Desenvolver a colaboração;

  • Reforçar a capacidade de escuta e feedback;

  • Aumentar a capacidade de inovação e criatividade.

Cook também segue por esse caminho. O homem que fez com que a Apple se tornasse a primeira companhia americana listada na bolsa a valer US$ 2 trilhões não é um super-herói. Ele contou ao jornal The Washington Post que recorre, muitas vezes, a uma lista de pessoas de confiança, que não trabalham na Apple, como o milionário Warren Buffet, para se libertar dos seus dilemas e obter conselhos.

Tenho cada vez mais convicção de que a solidão do poder é mais um paradigma a ser quebrado. Ao conversar com um executivo, antes e depois do programa, antes e depois de (re)aprender a expor suas vulnerabilidades e compartilhar seus dilemas, é visível o deslocamento dele de um lugar de isolamento, desconexão e rigidez para outro de diálogo, conexão e inovação. Parece exagero?


Venha conversar comigo e me deixe ajudá-lo a encontrar “o seu grupo”. Esse é o primeiro passo para tirar proveito da força da coletividade, tão necessária para ampliar a criatividade, a colaboração, a empatia e a aprendizagem. Acima de tudo, trabalha-se a interdependência. Humanos, CEOs ou não, são seres interdependentes, que se inspiram uns nos outros, para aprender, crescer e evoluir individual e coletivamente. É preciso resgatar essa nossa essência tão poderosa para romper paredes, muros e fronteiras que nos impedem de viver e trabalhar melhor. É desse lugar que nascem as soluções mais inovadoras. É esse o segredo das empresas mais prósperas e sustentáveis. Elas não são lideradas por super-heróis, mas por super-humanos.

1 “It’s Time to Acknowledge CEO Loneliness”. Harvard Business Review, 15 de fevereiro de 2012. Disponível em: https://hbr.org/2012/02/its-time-to-acknowledge-ceo-lo. Último Acesso: 27/08/2020.

2 “Tim Cook, the interview: Running Apple ‘is sort of a lonely job”. WashingtonPost, 13 de Agosto de 2016. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/sf/business/2016/08/13/tim-cook-the-interview-running-apple-is-sort-of-a-lonely-job/. Último Acesso: 27/08/202.


3 “CEOs têm mais prestígio que os políticos”. Valor Econômico, 28 de março de 2019. Disponível em: https://valor.globo.com/carreira/coluna/ceos-tem-mais-prestigio-que-os-politicos.ghtml. Último Acesso: 27/08/202.


4 “Apple atinge marca histórica de US$ 2 trilhões em valor de mercado”. O Estado de S.Paulo, 19 de agosto de 2020. Disponível em: https://link.estadao.com.br/noticias/empresas,apple-e-a-primeira-empresa-a-ultrapassar-us-2-trilhoes-em-valor-de-mercado,70003398340. Último Acesso: 27/08/2020.


Magali Lopes é facilitadora de conversas e trabalha com grupos pequenos para apoiar lideranças a encontrar ambientes seguros, de confiança e empatia para expor suas vulnerabilidades.

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