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O que os ladrões não levaram...

Atualizado: 3 de abr.

Era uma vez um menino de 9 anos que saiu do Japão com sua família e veio para o Brasil em busca de uma vida melhor. Tsuyoshi era o terceiro dos 5 filhos. Começaram a trabalhar numa fazenda de café no interior de São Paulo onde acordavam cedinho e trabalhavam até escurecer. Como a família era numerosa, o trabalho rendia bem. Em compensação o alimento que recebiam (arroz, óleo e sal) não era suficiente. Então sua mãe colhia inhame e mamão que nasciam naturalmente no brejo para reforçar as refeições.

Dois anos depois a família conseguiu economizar o suficiente para comprar um pedaço de terra numa outra cidade, Bastos, onde construíram um barraco de sapé e se instalaram. Nessa época as crianças puderam voltar a frequentar uma escola japonesa enquanto os adultos trabalhavam na lavoura.

O tempo passou e o menino Tsuyoshi completou o curso ginasial. A família decidiu que seria bom diversificar as atividades e então Tsuyoshi partiu sozinho para tentar a sorte na cidade grande: São Paulo. Trabalhava durante e dia e continuava a estudar a noite. Alguns anos depois conseguiu abrir seu primeiro negócio, uma lavanderia, onde empregava jovens japoneses que, assim como ele, vinham para São Paulo em busca de melhores oportunidades.

Como a vida em São Paulo estava dando certo, outros dois irmãos de Tsuyoshi vieram do interior e pouco tempo depois, inauguraram a Casa Mizumoto, uma loja de presentes com artigos japoneses no bairro de Pinheiros. Tsuyoshi casou-se e teve 3 filhos. A Casa Mizumoto fazia sucesso num bairro comercial que estava em franca expansão.

 

Porém, o espírito empreendedor de Tsuyoshi

andava inquieto e ele sentia a necessidade de criar

um bairro oriental onde os japoneses imigrantes e

seus descendentes pudessem se encontrar,

cultivar a cultura japonesa e assim perpetuá-la

para as próximas gerações.

 

Com esse ideal no coração, Tsuyoshi resolveu abrir a filial da Casa Mizumoto no bairro da Liberdade, contrariando seus irmãos que o chamavam de louco por deixar o bairro de Pinheiros que estava em ascensão para ir se aventurar na Liberdade que ainda era um bairro pouco frequentado. Tsuyoshi não se intimidou, abriu a filial e, algum tempo depois, conseguiu abrir seu segundo estabelecimento comercial na Liberdade: Loja Kyoto. O desejo de transformar o bairro num centro japonês ainda era forte e assim ele procurou criar condições que fossem atrativas para outros empreendedores: em 1974 formou a Associação dos Lojistas da Liberdade e foi seu primeiro presidente. Também buscou dar uma caracterização oriental ao bairro e conseguiu negociar as luminárias japonesas que até hoje adornam as principais ruas do bairro. Idealizou e criou a Feira de Arte e Artesanato aos domingos para divulgar o bairro e atrair pessoas não nipônicas, ampliando assim a circulação de pessoas na região. Fundou o Rotary da Liberdade e foi seu primeiro presidente. Também criou a galeria de arte Garô para incentivar artistas japoneses que tentavam ascender no Brasil. Tsuyoshi era cada vez mais conhecido como um empresário de sucesso na colônia japonesa e muitas pessoas o procuravam pedindo ajuda. E ele ajudou muitas e muitas famílias.

Eu tive a felicidade de conhecer o lado mais “família” do Tsuyoshi. Ele era meu avô. Minha mãe conta que quando eu nasci e ele foi me visitar na maternidade, me pegou no colo e chorou de alegria. Entre lágrimas e sorrisos dizia, me embalando no colo: “Minha netinha...” e com o tempo ele ganhou outros 6 netos! Sempre gostava de ver seus netos correndo e fazendo bagunça na sua casa. No final do dia colocava todos os 7 netos no seu carro e nos levava até sua loja na Liberdade, que estava fechada mas que ele abria só para nós, e dizia: “Podem pegar o que quiserem!”. Como era uma loja de presentes, havia muita louça e artigos para casa e quase nada de brinquedo. Mas mesmo assim nós adorávamos! Saíamos correndo pelos corredores da loja procurando por coisas que pudéssemos levar...

 

Eu pessoalmente guardo alguns tesouros do meu avô,

dentre eles algumas cartinhas escritas em japonês,

onde ele expressava seu carinho ou

me dava algum conselho.

Infelizmente meu avô partiu cedo,

com apenas 69 anos,

no dia 9 de agosto de 1989.

 

Em 1995, Tsuyoshi Mizumoto recebeu uma homenagem póstuma, um busto em bronze que foi colocado na Praça da Liberdade.

Em abril de 2019, recebemos a notícia de que, acreditem... o busto de bronze do meu avô havia sido roubado. Minha primeira reação foi pensar: “Quem é que rouba um busto de bronze???” porque não é algo fácil de se carregar e não dá pra fazer escondido pois estava no meio de uma praça... Depois fiquei procurando por meus sentimentos. Sim, fiquei procurando dentro de mim o que eu estava sentindo: Revolta? Tristeza? Indignação? E, na verdade, eu não estava sentindo nada disso. Eu estava em paz...

Meu avô tinha um sonho: criar um espaço onde a cultura japonesa fosse difundida e perpetuada aqui no Brasil. E hoje, olhando o bairro da Liberdade, com tantas lojas e restaurantes, a feira de artesanato e comidas típicas que acontece todo fim de semana, as celebrações de datas comemorativas que atraem tantas pessoas... tenho a certeza de que meu avô não só realizou seu sonho, mas que ele também está presente em cada pedacinho da Liberdade.

Os ladrões roubaram um pedaço de bronze bem pesado, mas eu não preciso desse busto de bronze para me lembrar do meu avô. Todo o seu legado e todo o carinho que recebi enquanto sua neta, isso ninguém nunca conseguirá roubar.

Erica Mizumoto é a neta mais velha de Tsuyoshi Mizumoto e com muito orgulho escreveu este texto para homenagear sua história de vida.

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