Eu estava quase no fim de uma jornada incrível pela África do Sul, já tinha experimentado diversas vivências e não tinha mais nenhuma expectativa. Foi quando nosso alquimista explorador da expedição, Eduardo Shimahara, nos contou que almoçaríamos na casa de uma família muçulmana. Como assim na casa? Somos um grupo de 20. Por que não em um restaurante? Eu não quero incomodar ninguém. Um desconforto foi surgindo e com ele uma preocupação de adentrar de maneira invasiva na casa de pessoas com uma cultura tão diferente da minha. No entanto, a confiança no nosso alquimista me ajudou a relaxar e me entregar à experiência. Caminhamos por alguns bons minutos sob um sol forte pelas ruas do centro de Cape Town até chegarmos a uma rua de casas coloridas.
Nesse momento meu coração voltou a me incomodar, comecei a imaginar o que teria dentro daquela casa quando a porta abrisse. O que seria servido de comida? Como seriam as pessoas? E eis que em meio aos meus pensamentos cheios de interpretações, a dona da casa surgiu. Ela surgiu linda como um arco-íris, iluminando tudo com seu sorriso autêntico e leve. Meu coração também sorriu. Assim que eu entrei na sua casa, uma sensação de paz me invadiu. Aquela casa tinha mais de 300 anos. Era tudo tão normal, tão comum, tão organizado, limpo e aconchegante. O que será que eu esperava? Por que tinha me preocupado tanto à toa? A mesa estava posta para o nosso grupo, com uma simplicidade, cor e carinho que me encantaram. E quanto mais ela falava sobre a comida, sobre o que ela tinha preparado, sobre os temperos, mais eu me hipnotizava por aquela alegria.
Depois de ensinar a turma a fazer uma samosa e explicar o cardápio, ela pediu para que, se quiséssemos, comêssemos com a mão. Era uma tradição do profeta Maomé para que todos os sentidos aproveitassem a refeição. E eu embarquei com tudo. Comecei a comer com as mãos uma das comidas mais deliciosas e cheias de afeto que a vida me permitiu experimentar. Naquele momento fiquei lembrando quantas vezes ralhei com meus filhos por vê-los comerem com a mão e agora eu estava ali, fazendo o mesmo, e como diria Marshall Rosenberg, com a alegria de uma criança de 2 anos alimentando patos.
Eu cristã, comendo com as mãos, um vinagrete doce apimentado na casa de uma mulher muçulmana, daquelas pessoas que você tem vontade de levar para casa e conversar todos os dias com ela para sua vida ficar mais feliz. Oi? E então eu olho para os lados e vejo 19 pessoas que conhecia há menos de uma semana, mas que pela intensa convivência era como se nos conhecêssemos há séculos e aquele amor que estava no meu coração começou a expandir para todo o meu corpo, quente, intenso. Era como se eu conseguisse ver o amor que estava naquela casa, assim como eu estava sentindo a comida por meio de todos os meus sentidos. Algo despertou em mim e comecei a sentir o amor também com todos os meus sentidos, com o gosto, o toque, o cheiro, o olhar, as vozes...tudo permeando em mim de maneira tão prazerosa...e isso extravasou em um choro profundo e demorado...Um choro cheio de gratidão...Um choro pela celebração da vida e dos encontros. Um choro pela conexão entre os seres humanos. Um choro pela oportunidade de quebrar meus paradigmas e sentir a presença de Deus em um almoço e um sorriso.
Debora Gaudencio é coach co-fundadora da Eight e pesquisadora em Comunicação Não Violenta. Ama descobrir lugares novos e se conectar com as pessoas.