Cresci em uma cidade do interior de São Paulo e naquela época era comum as crianças ficarem por horas nas ruas brincando com muita energia. Mas a minha rotina era repleta de algumas atividades que eram - e muito! - do meu interesse, como o ballet por exemplo.
Nos preparávamos o ano todo para a grande apresentação do ano, e eram necessárias roupas e sapatos especiais, que naquela época custavam uma fortuna pra os bolsos da minha mãe.
A minha primeira iniciativa de juntar dinheiro para tal. Fui então fazer geladinhos para vender pela vizinhança. Geladinho de coco era o meu preferido, mas tinha de goiaba, suco de laranja, o de morango era uma delícia também, tinha o “natural” e de “kissuco”, e entre uma brincadeira e outra parava tudo pra ir buscar o geladinho que o cliente queria - geralmente uma outra criança com as moedas na mão.
Quando a brincadeira não estava tão legal assim, pegava uma caixa de isopor (sem nenhuma condição de vedação) e saia tocando as campainhas da rua. Conhecia a mãe de todos e as chamava pelo nome e sem o menor pudor dizia exatamente porque estava vendendo os geladinhos e sempre sensibilizava uma ou outra a fazer a compra.
Trocar as notas de maior valor era o mais complicado na época, pois o senhor da venda vizinha nunca queria trocar o dinheiro para a criançada e claro que isso também era motivo para fazer a promoção: leve 2 e pague R$ 5.
Esse não foi o único produto que comercializei na infância/adolescência. Como tinha uma habilidade natural de criação e trabalhos manuais e escrever era uma paixão, vendi cartas de amor na escola para as garotas apaixonadas.
Vendia panos de prato pintados a mão e também ensinava como fazê-los. Tinha, então, não só o desafio do convencimento para a venda, mas também para montar a turma das minhas aulas.
Um pouco mais velha, trabalhei como atendente em uma loja de computadores e precisava ligar para os números das páginas amarelas para tentar convencer o cliente a passar na loja para conhecer. A maioria eram os aposentados que atendiam e se interessavam no PC para seus netos.
Poderia continuar a história com outras experiências nessa área. Fato é que quando olho para a experiência juvenil, não consigo afirmar se meus produtos eram tão bons assim, não pensava nisso na época, apenas fazia e sem técnica alguma me aventurava entre uma experiência e outra pra conseguir meus objetivos.
Fazendo um paralelo para minha realidade atual, tenho convivido com empreendedores de diversas áreas que são altamente talentosos, muito competentes, com produtos e iniciativas incríveis, inclusive que dialogam com um mundo repleto de necessidades diferenciadas, onde a grande questão da vez é: Como faço para vender isso que tenho, que sei ou que produzo?
Essa inquietação parece não pertencer apenas a esse mundo. Recebo constantemente profissionais liberais de diversas áreas buscando ajuda para enfrentar as dificuldades frente a esse desafio, além das inúmeras estatísticas de empresas que também sofrem o fracasso devido a não venda daquilo que oferecem
Qual a equação então? Por onde passa essa dificuldade em vender, oferecer? Onde está a mágica para que o produto saia daquele que o tem para quem precisa?
Como reflexo dessa inquietação, decidi fazer uma enquete e perguntar para algumas pessoas: "qual seria, em uma frase, o desafio/problema/questão em relação a venda de produto/serviço para o (a) qual você gostaria de ajuda?". Relato a seguir alguns dos insights e reflexões a respeito das respostas que obtive.
Vários dos respondentes dessa enquete referiram-se à dificuldade de quebrar o bloqueio em oferecer o produto/serviço sem parecer “forçado”.
Aí eu pergunto: quem nunca entrou em uma loja e foi abordado pelo vendedor cheio de boas intenções que de certa forma “forçou a barra” para tentar fazer a vez, mesmo você dizendo que estava só olhando? Quem nunca recebeu aquela ligação de algum telemarketing oferecendo um produto no momento que você menos queria, mas que só atendeu a ligação pois não identificou o número?
Levante a mão quem não viveu a experiência de estar passando por alguma rua movimentada de São Paulo e receber planfletos das moças e moços sobre um Shake Qualquer ou Produto X?
O fato é que de alguma maneira somos constantemente afetados por situações que impactam nossa percepção sobre “parecer forçado” oferecer algo para alguém. E como em muitos casos, a experiência ruim parece ter mais presença em nossa cabeça do que as experiências positivas.
Parece até clichê o que estou dizendo, contudo, não é nada clichê dizer que pode ser que não tenhamos consciência sobre esse aspecto quando associamos à nossa relação com vendas.
Sabe o sabotador que aparece dizendo, “você vai mesmo oferecer isso, sua chata, seu chato! Que inoportuno”, “se você ligar vai estar atrapalhando”, “se ele precisar ele poderá vir procurar” além de várias outras frases do gênero que aparecem em nossa cabeça.
Por outro lado, também pergunto, quantas vezes você foi bem atendido em uma loja e com a ajuda de um bom vendedor saiu extremamente satisfeito com o que adquiriu ou até comprou mais do que realmente precisava? Ou quando você menos esperava alguém te ofereceu ou comentou com você sobre o médico, dentista, massagista maravilhoso que visitou e era exatamente aquele que você precisava já a tempos?
Sendo assim, um bom exercício a se fazer pode ser refletir sobre as pequenas e diversas experiências positivas de compra vividas diariamente, seja em uma padaria onde você é bem atendido e ao final o atendente te oferece algo a mais, no supermercado ou nas conversas com os amigos do trabalho, família ou academia. Você perceberá que mais do que imagina, o tempo todo lhe é oferecido algum produto ou serviço, mesmo que indiretamente e que por diversas vezes você poderá se beneficiar justamente por precisar desse produto.
Observe qual abordagem mais lhe agrada nessas experiências, de que maneira é falado e soa internamente ser agradável, o que foi falado que mais chamou a atenção. Ligue a anteninha para os bons exemplos e como se estivesse em um jogo, comece a pontuar bons e maus exemplos. Haverá um momento em que você será capaz de, num mau exemplo, repensar como fazer para que ele fique bom e de tanto ver bons exemplos poderá internalizá-los e aplicá-los também.
Esse exercício da observação também poderá ajudar aqueles que relataram ter dificuldades de como abordar o cliente. A tonalidade de voz, a atenção para o jeito que é questionado, quais perguntas se utiliza, quando abordar.
Um outro bom exercício é a prática consciente de tentativa de oferecer seu produto ou serviço. Por exemplo, procure brechas nas conversas para trazer o tema do seu produto. Fazer perguntas sempre é um bom caminho. Claro que uma boa pergunta exige ouvidos atentos para a resposta.
Vista sua capa de Sherlock Holmes e investigue com as pessoas (começar pela família e amigos pode ajudar) o que elas acham, se elas já fizeram, possuem ou já imaginaram ter, ou conhece quem tem/fez, quais as opiniões. Se suas perguntas forem realmente de uma pessoa interessada em saber o que o outro pensa, pode ter certeza que quem está sendo questionado se abrirá para entender melhor o que você tem a dizer. Aí é só usar alguns dos bons exemplos e terá a faca e o queijo nas mãos para oferecer o que precisa.
Pense que quando alguém compra seu produto/serviço você está ajudando essa pessoa a resolver um problema/necessidade dela.
Um outro desafio que a enquete trouxe foi o de questionar a qualidade do produto/serviço oferecido. Sabe aquela sensação de que o que você faz, oferece, ou o serviço prestado não está 100%, falta alguma coisa, por isso te ronda o questionamento: como vou oferecer se não está 100%?
Acontece que muitas vezes nosso grau de exigência sobre aquilo que produzimos pode atrapalhar a enxergar a percepção de que talvez o que você oferece é exatamente (sem mais nem menos) o que alguém precisa.
O exemplo que iniciei diz muito sobre isso. Nem sempre seu “geladinho” será o melhor, mas pode ser que alguém esteja passando calor naquele momento e saberá que você pode ajuda-lo se souber que você poderá ajudá-lo a se refrescar se abrir a tampa do isopor, não é mesmo?
Permita que o outra decida se o produto/serviço lhe serve ou não. A escolha é sempre dele, dê-lhe essa oportunidade.
Aprendo todo dia sobre essa mágica e a certeza que fica é que sempre vai haver alguém que precisa daquilo que só você tem e que esse alguém pode estar mais perto do que você imagina.
Sem dúvidas não existe receita de bolo que sirva para todos igualmente, tampouco é minha intenção com essa reflexão oferecer isso, porém, se o primeiro passo for identificar qual o seu desafio em relação a vendas e procurar caminhos para solucioná-lo pode ser um bom começo para ter mais êxito nessa área. Reconhecer os aspectos internos é um passo fundamental para isso.
Perguntas para reflexão:
Quais exemplos positivos você tem colecionado?
Qual o peso você tem empregado para os exemplos negativos que você viveu na vida em relação a vendas?
Que pressupostos pré existem sobre quem possa necessitar do seu produto?
Que valor você emprega ao que você produz?
Você compraria o que você produz, vende, oferece?
Magali Lopes – já vendeu geladinho na rua, carta de amor na escola, curso de pintura em pano de prato na vila, computador, curso de inglês, projetos de educação e todo dia vende ideias.
Como coach, ajuda pessoas que queriam ter uma relação diferente em relação a oferecer o que tem para aquele que precisa.